Editado por Harlequin Ibérica.
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© 2015 Susan Stephens
© 2016 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.
Mundo de paixão, n.º 2142 - noviembre 2016
Título original: In the Brazilian’s Debt
Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.
Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.
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Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin
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I.S.B.N.: 978-84-687-9235-4
Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.
Página de título
Créditos
Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Epílogo
Se gostou deste livro…
A vingança é um prato que se serve frio.
Lizzie pensou nas palavras do pai enquanto o avião perdia altura, aproximando-a do seu destino. A determinação era uma qualidade admirável, insistira o pai, com a confiança do costume, baseada em nada mais do que um dos seus palpites e nas doses finais de uma garrafa de uísque. À sua Lizzie não faltava determinação. Reconstruiria o orgulho da família, onde ele falhara.
Quantas pessoas, aparentemente confiantes, estavam apenas a fingir para tranquilizar os outros, interrogou-se Lizzie, enquanto observava o céu pela janelinha do avião. Há anos que planeava juntar-se àquele programa avançado de treino com cavalos no Brasil e desejou não estar a ser demasiado ambiciosa. Estava determinada a reconstruir o negócio da família, mas viajar horas, cobrindo vários quilómetros até uma região pouco habitada do Brasil, parecia afetá-la. Sentia-se muito longe de casa e a perspetiva de ver Chico Fernandez novamente após todos aqueles anos abalava ainda mais a sua autoconfiança.
– Como podes não estar nervosa? – indagou a amiga e colegas das cavalariças, Danny Cameron, apertando-lhe a mão com força, à medida que o avião aterrava, caindo como uma pedra.
Bom, também sabia fingir que estava tudo bem?
Não era uma viajante experiente e, provavelmente, sentia o mesmo medo que Danny. O seu coração acelerou à medida que o chão se aproximava. O transporte aéreo usado pelos funcionários da Fazenda Fernandez, pouco luxuoso, mas funcional, parecia mergulhar para bombardear o seu alvo, uma fazenda no meio das pampas no Brasil.
– Ficaremos bem – afirmou Danny, esperando o melhor.
Ficariam?
Ou, para ser mais exata, seria capaz de o fazer? Não importava que a pista fosse curta e que o avião estivesse carregado com cavalos, empregados das cavalariças e equipamentos, todos em direção à fazenda de treino de classe mundial que pertencia ao jogador de polo com fama de duro, Chico Fernandez. Talvez Lizzie chegasse em segurança ao solo, com a sua integridade física intacta, mas a sua reputação e o seu coração sairiam dali intactos? Era quase inacreditável, agora, pensar que Chico significara tanto para ela, mas Lizzie tinha quinze anos da última vez que o vira pessoalmente, quando, por um verão glorioso, Chico fora o seu amigo mais próximo e confidente, até os seus pais começarem a referir-se a ele no mesmo tom que as pessoas reservam para o diabo.
Chico Fernandez era supostamente o maior inimigo da família Fane e, ainda assim, ali estava ela, pronta para sugar dele todo o conhecimento equino, de acordo com o pai, antes de voltar para casa e restaurar o negócio de treino de cavalos que, outra vez, de acordo com o pai, Chico Fernandez destruíra. Sabia agora que as palavras do pai ocultavam muitas das suas falhas e aprendera a manter-se fiel à própria opinião ante os comentários paternos numerosos e dramáticos. A universidade premiara-a com uma bolsa de estudo para estagiar com Chico Fernandez e estava a gastar um bom dinheiro nesse curso, assim como os outros alunos. Lizzie sabia que eles também esperavam «sugar todo o conhecimento equino do famoso jogador de polo».
Quaisquer pensamentos que o pai pudesse ter sobre aquela ser uma oportunidade maravilhosa para Lizzie se vingar de um homem que ele considerava um inimigo eram ridículos. Mas ouvira pacientemente, como fazia sempre quando o pai começava a resmungar que devia procurar justiça, pois Chico lhe roubara tudo, o seu bom nome, os seus negócios, a sua fortuna e sucesso e os seus cavalos.
– Chico tirou-me tudo. Tudo, Lizzie, até a tua mãe! Nunca esqueças isso.
Como poderia esquecer o discurso apaixonado do pai quando lhe recordava constantemente que, graças a Chico, fora reduzido a um bêbado, enquanto a mãe o deixara para viver no sul de França com o último de uma longa linha de amantes muito mais novos?
Chico teria realmente seduzido a mãe? Os pais diziam coisas terríveis, afirmavam que Chico forçara a mãe a ter sexo com ele. Lizzie não conseguia imaginar o amigo a ser capaz de uma coisa dessas, apesar de a mãe, que aprendera a chamar de Serena, ter feito tudo o que podia para destruir a amizade entre eles, dizendo à filha que não deviam dar-se um com o outro, já que ele era apenas um jovem pobre das favelas do Brasil e ela era lady Elizabeth Fane.
Lizzie pensava que estava apaixonada por Chico naquela época e não se importava com o estatuto dele. O que mais a magoara fora que Chico prometera salvá-la de um lar que a assustava, mas, um dia, simplesmente desaparecera, voltando para o Brasil sem sequer se despedir. Lizzie confiara em Chico e nunca recuperara do que considerara uma traição enorme. Tinham partilhado aventuras a cavalo e tinham chegado ao ponto de trocar presentes tolos, embora o mentor de Chico, o jogador de polo brasileiro, Eduardo Delgardo, tomasse todas as providências para que a amizade deles nunca fosse mais longe do que isso.
A única maneira de lidar com os seus sentimentos confusos a respeito de Chico, decidiu Lizzie, era concentrar-se no que importava: a habilidade dele com cavalos. Essa habilidade fizera dele um herói quando tinha quinze anos e, se conseguisse aprender com ele, reconstruiria os negócios da família.
Os seus pensamentos foram interrompidos pelo grito de Danny, assim que o avião aterrou. Agora, já não podia voltar atrás.
Enquanto olhava pela janela, voltou a ter dúvidas. Tudo ali era muito maior e mais selvagem do que imaginara e potencialmente mais perigoso.
Como Chico?
De acordo com a previsão do tempo, a humidade fora do avião seria alta. Os cavalos estariam inquietos depois de um confinamento tão longo. Precisariam de um manuseio firme e sensível da parte dos seus tratadores, o que era o ponto forte de Lizzie. Os cavalos eram a sua vida e pareciam sentir como ela se importava com eles. Apenas a sua presença costumava ser o suficiente para os acalmar. Tirando o cinto, já estava fora do seu lugar antes de o piloto desligar os motores. Lizzie escolheu ficar ao lado do cavalo que parecia mais agitado, até a porta do compartimento de bagagem do avião ser aberta, deixando o sol entrar, acompanhada de uma voz masculina rouca, familiar e distante no passado, que dava ordens em português, e que a manteve paralisada por um instante.
– Quem está parado na parte de trás, como se estivesse congelado? Temos trabalho para fazer!
Lizzie ficou atordoada ao ouvir aquela voz outra vez. Chico costumava ser imediatamente obedecido, percebeu ela. Para Lizzie, era uma lembrança nostálgica do seu passado e, por um momento, imaginou-se de volta a Rottingdean, na sombra e silêncio dos estábulos, uma menina de quinze anos, a acreditar em todas as palavras que ele dizia.
– Lizzie!
Danny estava a abanar o braço, percebeu Lizzie que, graças ao turbilhão de lembranças que a arrebatara, se tornara o único ponto fixo no que, agora, era uma colmeia em movimento.
– O que disse?
Danny entendia português muito melhor do que ela.
– Quem está parado na parte de trás, como se estivesse congelado? Temos trabalho para fazer! Lizzie, estava a falar de ti! – exclamou Danny, gaguejando.
– Ah… – vermelha de vergonha, Lizzie olhou à volta, mas não havia sinal de Chico.
Nunca ficava sem fazer nada, lembrou-se, quando captou um vislumbre de uma grande silhueta masculina, a usar roupas escuras e alinhadas, dentro de uma carrinha potente. Parecia mais duro, mais firme, um homem seguro e dominante.
Bom, estaria mudado. Doze longos anos tinham passado desde a última vez que vira Chico. Ainda assim, apenas um breve vislumbre dele fora suficiente para fazer o seu coração acelerar. O que não era o melhor dos inícios, se quisesse completar o curso com sucesso. Não se deixaria levar uma segunda vez pelo charme de Chico. Tencionava concentrar-se nos cavalos, em aprender a lidar com eles, para voltar para a Escócia e criar uma empresa forte e segura que recuperasse os negócios e o bom nome da família. Os olhos castanhos e solenes do cavalo ao seu lado responderam com interesse aos seus cuidados, o que deixou Lizzie aliviada. Ficaria bem. Ah, se, pelo menos, pudesse acalmar-se da mesma forma.
– Vamos lá, bonitão – replicou ela. – Está na hora de experimentar o ar do Brasil.
Chico estava satisfeito. Estava de volta à sua vasta fazenda no Brasil, a propriedade de que mais gostava. Havia ordem ali e conseguia controlar as coisas. Os cavalos adoravam a ordem e a segurança e ele amava os cavalos. Assim, o bom funcionamento da sua fazenda não era negociável.
– Novos recrutas, Maria – comentou ele, secamente.
A secretária, uma senhora já idosa, atravessou o assoalho de madeira do escritório impecável e entregou-lhe uma folha de papel com a lista dos novos alunos.
Olhou afetuosamente para ela, a única mulher no mundo em quem confiava. Maria estivera com ele desde o começo.
Adoravam-se. Era mais como uma relação entre mãe e filho do que patrão e empregada. Maria morava numa barraca vizinha, dentro da favela violenta em que ambos tinham começado, onde uma pessoa era assassinada de vinte em vinte minutos. O filho de Maria, Felipe, e o irmão de Chico, Augusto, pertenciam ao mesmo gangue e tinham sido assassinados à frente de Chico, no mesmo episódio brutal. Chico tinha dez anos na época, o pai estava preso e a mãe era viciada no jogo. Prometera cuidar de Maria, como prometera levar justiça e educação para a favela. Conseguira fazer as duas coisas.
– Estes poucos e bons vieram estudar para a Fazenda Fernandez, de modo a poderem ir-se embora com um certificado a confirmar que sobreviveram e desabrocharam sob o controlo do famoso mestre do mundo equino? – trocou um olhar divertido com Maria. – E, mesmo assim, continuam a vir, Maria.
– Graças a ti, Chico – insistiu Maria. – Porque és o melhor.
Chico riu-se.
– E então, o que temos aqui? – os olhos atrasaram-se num nome. Ainda bem que Maria não percebera a sua reação. As explicações teriam estragado o dia dela. Ver o nome Fane e aquela morada específica estragara o dia dele. Pensava que as suas relações com essa família estavam acabadas.
– Houve mais candidatos do que nunca este ano, Chico.
Não quis aborrecer Maria, que estava entusiasmada e orgulhosa dele. Tratava-o como o filho que perdera e ele, por sua vez, amava Maria e protegia-a de todas as formas que podia. Não a aborreceria agora, por isso, apenas resmungou como única resposta ao resumo rápido do currículo de cada um dos novos alunos.
– E este é da favela, Chico.
– Ainda bem – murmurou ele, ainda a questionar-se o que fazer com uma pessoa em particular daquela lista. Quanto à favela, aquele projeto em andamento saía-lhe muito caro. Era uma batalha que nunca venceria, diziam alguns, mas Chico recusava-se a aceitá-lo. Ser o melhor que pudesse era a sua meta pessoal e ajudar jovens de todas as classes sociais, a sua missão na vida.
– E temos alguém pertencente à aristocracia britânica connosco este ano.
Já sabia. E estava muito menos impressionado com o facto do que Maria.
– Não é de admirar – entusiasmou-se Maria. Abanava um documento que parecia oficial à frente dos olhos dele. – A Fazenda Fernandez recebeu mais um prémio este ano. Somos famosos, até na Escócia, de onde vem essa jovem aristocrata.
– Ah, sim? Que bom, Maria!
Fez questão de ficar de pé ao lado dela enquanto lia a carta por cima do seu ombro, para lhe garantir que estava interessado. A carta confirmava que Lizzie Fane estava entre os estudantes selecionados para aquele ano. Sorriu, lembrando-se de como Lizzie o espicaçara por causa do seu inglês precário e como, pacientemente, lhe ensinara a língua. Adorava aquelas aulas. Adorava ver os lábios dela a formar as palavras, mais do que as palavras em si. Fora uma surpresa para ele aprender algo novo, mas Lizzie garantia que era o seu melhor aluno.
O seu único aluno, pensou, irritando-se ao pensar nos pais dela, que não gostavam que Lizzie tivesse amigos.
Chico imaginava que queriam evitar comentários sobre a Mansão Rottingdean. Não tinham conseguido livrar-se dele, porque estava com Eduardo, mas tinham feito de Chico um alvo, lançando as mais terríveis acusações contra ele, na esperança de que Eduardo comprasse o seu silêncio.
Na época, ficara com raiva de Eduardo e da avó de Lizzie por o mandarem para longe antes de ter a hipótese de limpar o seu nome, mas, agora, percebia que o tinham poupado de enfrentar os poderosos, já que, naquela época, nunca teria podido ganhar aquela batalha. A única coisa que não entendia era o motivo de Lizzie não se ter prontificado a defendê-lo. Pensara que eram amigos, mas descobrira que nada importava mais para ela do que os laços de família. E, assim, escolhera a família mentirosa e traiçoeira em vez dele. E, agora, Lizzie estava ali, na fazenda, à espera de beneficiar dos seus ensinamentos? Era tão inacreditável que parecia quase engraçado, mas Chico não estava com ânimo para se rir.
– O meu sucesso deve-se a ti, Maria, e à equipa fantástica que reuniste – declarou, pronto para olhar para a frente e não para trás.
– E a ti, Chico – indicou, orgulhosa. – Sem ti, nenhum de nós estaria a trabalhar neste lugar de padrão internacional.
Observou com afeto enquanto Maria guardava a carta junto dos outros «bens mais preciosos», como ela chamava as muitas cartas de elogios que recebiam.
– Assim que recebermos o certificado oficial, vou emoldurá-lo e pendurá-lo na parede com os outros – informou-o, satisfeita.
– Vou dar uma festa, para ti e para todos os funcionários, para comemorar e agradecer por tudo o que já fizeram por mim, Maria – deu-lhe um abraço.
– Já passámos por tanta coisa juntos, Chico…
Quando soltou Maria e deu um passo para trás, viu nos olhos dela que estava a pensar em como Chico poderia facilmente ter seguido um caminho muito diferente.
A sua saída da sarjeta começara no dia em que entrara numa reunião de recrutamento de Eduardo por engano. Outro homem rico com dinheiro para deitar fora, pensara amargamente, olhando com desprezo para os rostos arrebatados à sua volta. «Canalha meloso!», pensara, agressivo. Com o ímpeto dos seus dez anos, estava no caminho para enfrentar os traficantes que tinham matado o seu irmão e o filho de Maria, com uma arma carregada presa no cinto e a morte em mente.
Eduardo devia ter percebido algo nos seus olhos e chamara-o para a frente. Chico ficara no lugar, teimoso, mas não era fácil recusar uma exigência de Eduardo, que era grande, forte e firme. Chico ainda se lembrava da fúria que enchia os seus olhos quando Eduardo o segurara com firmeza. Detestava a autoridade. De que lhe tinham servido as autoridades? Onde estava a polícia quando o irmão fora assassinado? Detestava o privilégio que fazia com que homens como Eduardo fossem passear à favela, com outros jovens ricos e sem problemas. E detestava Eduardo, ainda que não fosse porque o jogador de polo famoso invadira o seu território para tratar de questões que Chico tinha a certeza que ele não entendia. Contudo, Eduardo segurara o seu braço com força e a arma fora imediatamente parar ao bolso dele. Não haveria assassinatos naquele dia.
– Devo tudo a Eduardo e a ti, Maria – indicou, voltando para o presente. – Tudo o que tenho é porque vocês acreditaram em mim.
– E não estávamos errados, pois não? – Maria apoiou as mãos hábeis nas ancas largas e observou-o. – Contra todas as expectativas, o jovem pobre da favela está aqui agora – declarou, de forma exuberante, como se vivessem num palácio e não numa fazenda, enquanto fazia um gesto amplo com os braços, mostrando a área à volta com outro dos seus sorrisos radiantes.
O rosto dele também se suavizou. Como poderia ser diferente? Todos os dias saboreava aquela vida, tanto por Maria como por si próprio. Não poderia ter acontecido se Eduardo não o tivesse tratado como um filho, acreditando nele, mesmo quando tornava as coisas mais difíceis. E Chico dificultava-lhe a vida sempre que podia, mesmo idolatrando o seu mentor. Ainda não conseguia acreditar na sua sorte, por ter sido escolhido para trabalhar para um jogador de polo tão famoso.
Depois de o tirar da favela, Eduardo mostrara-lhe que havia muito na vida, para além de drogas e armas e, quando morrera, deixara tudo a Chico, sabendo que o seu pupilo devotado assumiria as causas caras de Eduardo e lhes infundiria uma energia nova.
Chico usara o dinheiro que Eduardo lhe deixara para comprar e estruturar um terreno precário e coberto de mato que, depois de anos de trabalho árduo, se transformara no centro de polo mais prestigioso do mundo. Conseguira chegar até ali porque era meticuloso e focado e porque, como Eduardo observara, tinha uma habilidade especial com cavalos. Esse dom vinha dos primórdios do seu trabalho com Eduardo, acreditava Chico. Quando não podia confiar em ninguém, os cavalos ouviam-no e, em retorno, ofereciam-lhe a sua confiança. Essa interação entre ele e os animais levara os donos e os jogadores a pensar que ele tinha algum tipo de magia especial. Não havia magia.
Os cavalos de polo eram competitivos e Chico inspirava-lhes confiança, o que fazia com que obedecessem a todos os seus comandos. Confiavam nele para os manter seguros e para extrair o que podiam dar de melhor. As mulheres achavam a mesma coisa, mas, ao contrário do que acontecia com os animais, Chico não tinha interesse em perder tempo ou investir as suas emoções com mulheres.
– Chico…? – chamou-o Maria, hesitante, vendo que ele estava perdido nos próprios pensamentos.
– Maria? – esboçou o seu melhor sorriso encorajador.
– Queres que te descreva o perfil dos alunos bolsistas deste ano?
– Não. Obrigada, Maria, mas vou levar a lista comigo e analisar o relatório mais tarde.
– Alguma coisa te incomoda, Chico? – questionou Maria, preocupada.
– Acredito na minha equipa de seleção e foi por isso que foram contratados.
– Claro, Chico – assentiu a mulher mais velha e os seus olhos desviaram-se dos dele, como se não estivesse convencida.
Não podia culpar a equipa por aquele erro. Como saberiam o que acontecera na sua juventude? As pessoas só tinham ouvido rumores. Nem Maria sabia de tudo. Havia algumas coisas de que Chico nunca falava, nem mesmo com Maria.
Sentiu um aperto no peito quando relembrou o dia em que Serena Fane o acusara de violação. Era uma mentira deslavada, mas quem acreditaria nele, o jovem pobre das favelas do Brasil? Não tivera nenhuma hipótese contra o poder da aristocracia britânica. Escrevera a Lizzie em incontáveis ocasiões após essa primeira carta, implorando por uma explicação, certo de que ela escreveria uma resposta. Tinham sido tão próximos… Era a única amiga jovem que ele já tivera e confiava completamente nela. E, sim, ela era linda, mas Lizzie estava tão longe do seu alcance que só ousara dirigir-lhe a palavra quando ela demonstrara interesse em ser amiga dele.
Violação era uma palavra que ele associava com os assassinos que tinham matado o seu irmão e o choque que sentira ao ver que Lizzie ignorara as cartas nas quais ele lhe implorava que limpasse o seu nome fora indescritível. Só podia pensar que ela ficara do lado deles, da mãe vadia e do pai bêbado. Adivinhara desde o começo que apenas queriam o dinheiro de Eduardo em troca do seu silêncio. Nunca descobrira se algum dinheiro trocara de mãos, já que Eduardo nunca falava disso, mas tinha as suas suspeitas, especialmente porque, quando Chico passara a aparecer nas manchetes do mundo do polo, Serena reaparecera, ameaçando divulgar o escândalo se não a «deixasse confortável».
Chico ignorou-a completamente e só não abriu um processo por chantagem contra Serena porque a avó de Lizzie fora boa com ele e não queria trazer mais sofrimento à velha senhora. A avó de Lizzie fora a única pessoa, para além de Eduardo, a acreditar nele, e tivera de o enviar para longe quando lorde Fane fizera aquelas acusações estapafúrdias por ordem da esposa. Chico sempre pagara as suas dívidas e nunca esquecia um ato de desprezo. Mas se Lizzie tivesse tido coragem de erguer a voz na época, nada disso teria acontecido.
E era verdade que ela tinha apenas quinze anos então, mas parecia claro para ele que a amizade deles não significara nada para ela.
Demasiado tenso para ficar no escritório, resolveu inspecionar a fazenda. Fazia isso todas as temporadas, quando voltava do circuito de polo. Não era uma tarefa rápida, já que as terras se espalhavam por milhares de hectares e eram necessários alguns dias para inspecionar tudo. Havia preparativos para fazer antes de viajar. Enquanto os alunos se instalavam, era a melhor época para ficar fora. Havia outros tutores que tomariam conta deles e o treino começariam enquanto ele estivesse longe. Quando voltasse, falaria com lady Elizabeth Fane, para ver o que Lizzie pensava que estava a fazer ali. O seu melhor palpite era que o interrogatório e a expulsão demorariam muito menos tempo do que inspecionar a fazenda.