cover.jpg
portadilla.jpg

 

 

Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Michelle Conder. Todos os direitos reservados.

DEPOIS DO ESCÂNDALO, N.º 1436 - Janeiro 2013.

Título original: Girl Behind the Scandalous Reputation.

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2013.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2502-4

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

– É uma brincadeira, Jordana? – Tristan Garrett virou costas à janela e olhou para a sua irmã mais nova. Do seu escritório, situado no décimo andar do edifício, via-se o Tamisa.

Ela estava sentada diante da secretária, com as pernas cruzadas, impecavelmente vestida. Era difícil de acreditar que acabasse de dizer algo parecido.

– Como se fosse brincar com uma coisa tão séria! – exclamou Jordana, olhando-o fixamente. Os seus olhos verde-jade eram exatamente da mesma cor que os dele. Naquele momento, estavam cheios de preocupação. – Sei que parece incrível, mas é verdade. E temos de a ajudar.

Na realidade, a história não era assim tão incrível, mas Tristan conhecia muito bem a sua irmã, sabia que tinha tendência para ver apenas o lado bom dos outros, inclusive quando não havia nada para ver.

Tristan virou-se novamente para a janela e olhou para os pedestres que caminhavam de ambos os lados do rio, desfrutando do sol de setembro. Não suportava vê-la tão preocupada. Amaldiçoou a suposta amiga que a fizera chorar.

Ela dirigiu-se para ele e parou ao seu lado. Ele pôs-lhe o braço nos ombros e puxou-a para si. O que podia dizer para a fazer sentir-se melhor? Ia dizer-lhe que a amiga que queria ajudar não valia a pena? Que uma pessoa estúpida ao ponto de sair da Tailândia com drogas merecia que a apanhassem?

Noutras circunstâncias, teria ajudado a sua irmã sem pensar duas vezes, mas não estava disposto a ver-se envolvido em algo parecido. E também não ia deixar que ela o fizesse. Apertou-lhe carinhosamente os ombros.

– Jo, não é problema teu e não vou deixar que te envolvas.

– Eu...

Tristan levantou uma mão. O seu botão de punho de ouro maciço brilhou.

– Se o que disseste é verdade, ela procurou-o e agora terá de sofrer as consequências. E não quero ter de te recordar que estás a oito dias do casamento mais importante do ano. Oliver não quererá que te envolvas em algo parecido. E duvido muito que o príncipe da Grécia queira sentar-se ao lado de uma drogada, por muita bonita que seja.

Jordana ficou tensa e apertou os lábios.

– Oliver quererá que eu faça o correto. E é-me indiferente o que opinem os convidados do meu casamento. Vou ajudar Lily e ponto!

Tristan abanou a cabeça.

– Porque vais fazer algo parecido?

– É a minha melhor amiga e prometi-lhe que o faria.

Aquilo foi uma surpresa para Tristan. Pensava que aquela amizade tinha morrido há muitos anos. Mas, se fosse assim, porque haveria Lily de ser uma das suas damas de honor? Porque não lhe tinha ocorrido perguntar-lho duas semanas antes, ao saber que Lily iria ao casamento?

Franziu o sobrolho, mas decidiu adiar aquele assunto perante a urgência do outro.

– Quando falaste com ela?

– Não falei com ela. Telefonou-me um empregado da Alfândega. Lily queria que soubesse por que não poderia ir ao casamento e... Oh, Tristan, se não a ajudarmos, irá para a prisão!

Tristan puxou para trás a madeixa que lhe caía sobre a testa. Tinha de ir cortar o cabelo.

Por muito que quisesse evitá-lo, tinha de ser duro com a sua irmã.

– Esse é, provavelmente, o melhor sítio para ela – franziu o sobrolho. – Lá terá a ajuda que necessita.

– Não podes estar a falar a sério!

Não falava a sério? Na realidade, não sabia. Mas o que sabia era que tivera uma manhã tranquila e agradável até Jordana ter irrompido no seu escritório, recordando-lhe uma rapariga que queria tirar da cabeça para sempre.

Honey Blossom Lily Wild...

Uma das mulheres mais sensuais do planeta, segundo o último ranking. Uma atriz talentosa. Ele não era muito fã de cinema, mas vira o primeiro filme dela, uma longa-metragem de autor sobre o fim do mundo, de um realizador novato. Mal recordava o argumento. Quem recordaria? Lily aparecia quase nua durante todo o filme, com uma t-shirt que lhe ficava grande e umas cuecas de algodão que faziam de calções. Naquela época, recordava ter pensado que o mundo estava a regredir e que a culpa era de pessoas como Lily Wild.

O seu pai e ele tinham tolerado aquela amizade adolescente entre Lily e Jordana porque a sua irmã se divertia muito com ela, mas nunca tinham gostado da rapariga. Recordava o dia em que a vira pela primeira vez. Aquela rapariga de catorze anos com aspeto de pertencer a um gangue, que escondia drogas debaixo do colchão da sua irmã... Demasiado precoce e prepotente para a idade que tinha. Deveria ter colocado a sua irmã noutro colégio.

Tristan respirou fundo e virou-se para a secretária. Tocou no rato para ativar o ecrã.

– Jo, estou ocupado. Tenho uma reunião importante dentro de meia hora. Lamento, mas não posso ajudar-te.

– Tristan, sei que não suportas toxicodependentes, mas Lily é inocente.

– E como o sabes exatamente?

– Porque conheço Lily e sei que não consome drogas. Odeia-as.

Tristan arqueou um sobrolho. Estava a falar a sério?

– Já esqueceste o dia em que fizeste dezoito anos? Como a surpreendi a esconder um charro quando ela tinha catorze anos? E não falemos de todas aquelas fotografias que circularam pela imprensa, nas quais aparecia uma desgraça.

Jordana franziu o sobrolho e abanou a cabeça.

– A maior parte daquelas fotografias era falsa. Lily sofreu a perseguição da imprensa durante toda a sua vida por os seus pais serem quem eram. Além disso, ela é demasiado sensata e cabal para se envolver numa coisa tão destrutiva como as drogas.

– E foi por isso que fez um escândalo na tua festa de aniversário? Porque era uma rapariga muito cabal?

Jordana olhou para o teto e, depois, para o seu irmão.

– Tristan, naquela noite as coisas aconteceram de outra maneira. Uma fotografia um pouco estranha...

– Uma fotografia um pouco estranha? – perguntou Tristan, furioso. – Aquela fotografia um pouco estranha poderia ter-te arruinado a vida se eu não tivesse intervindo.

– Quererás dizer se não tivesses culpado Lily!

– Lily tinha a culpa! – Tristan podia sentir a raiva que o fizera explodir seis anos antes. Mas não era próprio dele deixar-se levar pelo temperamento. – Se tivesse contactado o seu padrasto quando a apanhei com marijuana da primeira vez, talvez não estivesse metida nesta confusão agora.

Jordana baixou o olhar por um instante.

– Tristan, nunca me deixaste explicar-te bem as coisas. E se a marijuana com que viste Lily não fosse dela? Terias levado uma deceção tão grande se fosse minha?

Tristan suspirou. Realmente, não tinha tempo para aquela conversa. Levantou-se, contornou a secretária e abraçou a sua irmã. Sabia o que Jordana estava a tentar fazer e amava-a ainda mais por isso, embora Lily Wild, aquela cabeça oca, não o merecesse.

– Sei que estás a tentar assumir a culpa para a protegeres, Jo. Sempre a protegeste. Mas a verdade é que aquela rapariga não te convém. Nunca prestou. Talvez o seu padrasto ou os seus meios-irmãos possam ajudá-la.

Jordana reprimiu um soluço contra o seu peito e afastou-se um pouco.

– Nunca foram muito unidos. Além disso, acham que estão de férias em França. Por favor, Tristan! O agente com quem falei esta manhã disse-me que talvez a levem de volta para a Tailândia. E, apesar do que pensas, não posso deixar que isso aconteça.

Tristan resmungou um palavrão. Tinha de admitir que não conseguia imaginar a linda Lily numa prisão tailandesa.

– Jo, a minha especialidade é o direito empresarial. Estamos a falar de direito penal aqui.

– Mas de certeza que podes fazer alguma coisa!

Tristan largou a sua irmã e dirigiu-se novamente para a janela.

Lembranças de Lily, da última vez que a vira, invadiram a sua memória. Ela enchia-lhe o pensamento há anos, mas acontecia-lhe cada vez com mais frequência, sobretudo desde que Jordana lhe dissera que iria ao casamento. Fechou os olhos... Mas foi pior. Via-a, quase podia cheirá-la. A sua irmã tocou-lhe no braço e, por um instante, quase acreditou que era Lily. Resmungou outro palavrão.

– Jordana, por favor, esquece Lily e concentra-te no casamento.

Ela afastou-se dele, magoada.

– Se Lily não vier, talvez não haja casamento.

– Não sejas dramática.

– E tu não sejas tão desagradável. Toda a gente foi muito injusta com Lily...

– Jordana, ninguém foi injusto com ela. Apanharam-na com as mãos na massa!

Jordana olhou-o com os olhos cheios de dor. Não recordava tê-la visto tão afetada desde o dia em que tinham enterrado a sua mãe. Então, jurara fazer tudo para a proteger.

– Tristan, sei que odeias as drogas por causa da mamã, mas Lily não é assim. E tu costumas aproveitar todas as oportunidades para ajudar os outros.

Tristan olhou para a sua irmã. As palavras dela ressuscitaram lembranças do passado, um passado que queria manter enterrado. E talvez fosse uma loucura, mas também culpava Lily daquilo. Se não fosse aquele último ataque de excentricidade, não teria tido de ter aquela conversa com a sua irmã.

Virou-se para Jordana e apertou os dentes.

– Jordana, as palavras-chave nesta situação são «boa causa». E, no que me diz respeito, uma atriz drogada que bateu no fundo do poço não é uma boa causa.

Jordana olhou-o fixamente, perplexa, como se acabasse de dar um pontapé a um cão. E, naquele momento, Tristan soube que tinha perdido. Não podia deixar que a sua irmã pensasse tão mal dele. Além disso, a imagem de Lily numa prisão tailandesa apertava-lhe o coração.

Abanou a cabeça.

– Isto é um grande erro – disse a Jordana. A cara da jovem iluminou-se. – E não me olhes assim – prosseguiu. – Talvez não possa fazer nada. Não é que tenha roubado um sabonete de uma loja ou algo parecido.

– Oh, Tristan, és o melhor irmão do mundo! Espero por ti e vamos juntos? – Jordana estava tão feliz que quase cantava.

Tristan olhava para o teto, tentando elaborar uma estratégia para resolver o problema. Ao ouvir as palavras da sua irmã, arqueou os sobrolhos.

– Nem pensar! Telefono-te quando souber alguma coisa. E, agora, vai-te embora. Continua a tratar do casamento e deixa-me resolver esta confusão em que te empenhaste em meter-te.

Mal notou o beijo da sua irmã na face. Um segundo mais tarde, estava a dar instruções à sua secretária pelo telefone.

– Kate, cancela todas as minhas reuniões desta tarde e diz a Stuart McIntyre que o quero no meu escritório já.

Recostou-se na cadeira e suspirou. Estaria completamente louco?

Lily Wild estava metida numa bela confusão. Tentara passar com drogas por Heathrow...

Mas não era nenhuma surpresa. Muitos anos antes, vira-a a snifar cocaína sobre a secretária centenária do seu pai, durante a festa de aniversário da sua irmã. Ela nunca o tinha admitido. Tinha-o olhado com aqueles olhos falsos e tinha sorrido, provocadora, desafiante. Tristan sentira uma raiva difícil de conter, não quisera ouvir desculpas. Para quê incomodar-se? Todos os que consumiam eram tão inocentes como freiras em clausura.

Naquela noite, não obstante, pouco antes, Lily olhara-o com aqueles olhos violetas... Como se fosse o único homem do planeta... E ele tinha acreditado. Como fora tão idiota? Estivera prestes a morder o anzol. Até àquele momento, ela não passara de um inconveniente. Costumava levar a sua irmã às festas do pai quando ainda era muito jovem. E fugia sempre dele quando a encontrava na propriedade da sua família, quando ainda estudavam. Mas, naquele dia, na festa, não fugira. Na realidade, fizera justamente o contrário.

«Esquece-a», disse a si mesmo, recordando como tinha dançado com ela. Tocara-lhe. Beijara-a.

Ainda lhe doía pensar que estivera prestes a perder o controlo naquele dia. Mas ela tinha um sabor tão doce, tão fresco...

Abanou a cabeça e resmungou um palavrão. Em vez de reviver um momento que nunca deveria ter acontecido, devia recordar como a tinha encontrado no escritório do seu pai, rodeada de um bando de vândalos, incluindo a sua querida irmã. Devia haver meio quilo de cocaína sobre a mesa. Os seguranças tinham demorado uns dez minutos a desfazer-se de todos aqueles delinquentes, de todos, exceto da sua irmã. As fotografias tinham demorado mais um pouco. Tinham sido necessárias vinte e quatro horas para apagar todas as fotografias de Jordana que tinham sido tiradas com o telefone de um dos seus amiguinhos. Os beijos de Lily, no entanto, não tinha conseguido apagá-los...

 

 

Lily Wild mexeu-se mais uma vez. Estava há mais de quatro horas sentada naquela cadeira dura de metal, perguntando-se quando terminaria a tortura. Estava sozinha numa sala pequena e assética. Qualquer realizador de séries policiais se teria sentido orgulhoso.

Naquele mesmo dia, algumas horas antes, estava nervosa e feliz porque ia voltar para Inglaterra, a sua casa, pela primeira vez em seis anos.

Tivera de esperar numa fila muito longa na Alfândega e, ao chegar à cabina de controlo dos passaportes, um agente tinha-a dirigido para os cães. Não tinha encontrado motivos para se preocupar. Estavam a revistar muitas outras pessoas. Estava a pensar em Jordana, no presente de casamento que tinha comprado para ela e para Oliver na Tailândia. Então, um dos agentes tinha tirado um saco de plástico do seu saco de pano e perguntara-lhe se era dela. Não se lembrava... Essa era a verdade.

– Não sei – dissera-lhe.

– Então, terá de vir por aqui – o agente tinha apontado para um corredor comprido bem iluminado.

E ela perguntara-se para onde teriam ido os dois agentes da Alfândega. Também não era que sentisse a falta deles. O mais jovem mal lhe olhava para a cara e ameaçava deportá-la para a Tailândia se não começasse a colaborar. Uma grande ironia, pois, desde a sua chegada, não fizera outra coisa.

Sim, o saco de pano multicolorido era dela. Não, não o deixara sozinho em lado nenhum. Sim, um amigo estivera no seu quarto de hotel na noite em que fizera a mala. Não, não acreditava que tivesse mexido nos seus pertences. Não! Não! Não! Os frascos de plástico cheios de Ecstasy e cocaína não eram dela. Quase lhe dera um ataque de coração ao ouvir aquela pergunta. Tinha de ser um engano.

– Não é nenhum engano, senhora – dissera-lhe o agente que era mais amável.

Um suor frio tinha-lhe descido pela nuca. Depois, tinham-na interrogado durante horas a respeito da sua passagem pelo aeroporto internacional de Suvarnabhumi. Tinham-lhe perguntado várias vezes porque tinha ido à Tailândia e, depois, tinham saído para irem falar com os que estavam atrás do espelho. Sabia que suspeitavam de Jonah Loft, um dos rapazes que trabalhava no filme cujo contrato acabava de assinar, mas só porque estivera no seu quarto antes de ela sair rumo ao aeroporto. Sentia-se muito mal por ele. Conhecera Jonah em Nova Iorque, num centro de reabilitação onde trabalhava como voluntária, e as autoridades não demorariam muito tempo a descobrir os problemas dele com as drogas.

Felizmente, já os tinha superado, mas ela também sabia que a falta de confiança poderia desencadear uma recaída. E fora precisamente por isso que lhe arranjara um emprego no filme. Quisera dar-lhe uma segunda oportunidade, mas, quando descobrissem que ela mesma lhe dera o emprego, não seria nada bom para nenhum dos dois.

Ela sabia, no entanto, que jamais lhe teria feito algo parecido. Sempre lhe estivera muito agradecido e desejava continuar limpo.

Lily suspirou. Quatro horas e vinte e oito minutos.

Tinha o rabo dormente, portanto, esticou-se na cadeira, perguntando-se se poderia levantar-se e caminhar um pouco. Até àquele momento, não o fizera e tinha os músculos das coxas doridos. Esfregou as têmporas e tentou aliviar a dor de cabeça.

Só esperava que tivessem contactado Jordana. Não queria deixar de ir ao seu casamento sem lhe ter dado uma explicação, embora provavelmente se preocupasse mais sabendo o motivo pelo qual não podia ir. Lily rezou para que não dissesse nada ao seu irmão insuportável.

A última coisa que precisava era de ter Tristan Garrett, tão prepotente e lindo como sempre, interessado na sua situação. Supunha-se que era uns dos melhores advogados, mas ela não guardava muito boas lembranças dele, excetuando aqueles dez minutos maravilhosos numa festa de aniversário. Certamente, devia odiá-la. Tristan Garrett magoara-a, beijando-a e depois ignorando-a durante o resto da noite como se não existisse. E, justamente quando pensava que o seu coração adolescente não podia sofrer mais, tinha voltado a vê-lo no escritório do seu pai enquanto tentava acabar com uma festa privada de Jordana. Tristan tinha tirado uma conclusão errada. Tinha-a culpado de tudo, a ela e aos do seu «tipo». Expulsara-a da casa. Olhando para trás, podia ver que deveria ter-lhe agradecido. Pelo menos, tinha-se incomodado em pedir ao motorista que a levasse de volta a Londres. Mas estava muito magoada, com o coração partido. Aquela fantasia infantil do amor da sua vida estilhaçara-se.

Nem sequer conseguia imaginar como tinha chegado a pensar algo parecido. Provinham de mundos muito diferentes. E ele nunca lhe tivera muita estima. Jamais se tinha incomodado em esconder o profundo desprezo que sentia por ela e pelos seus pais, duas celebridades hippies, mortos por uma overdose. Mas nunca lhe mostrara como a magoava. Tinha orgulho e as palavras do seu falecido pai ecoavam na sua cabeça. «Que nunca vejam que te importa, querida», costumava dizer-lhe.

Só se referia às críticas de música, mas ela nunca tinha esquecido aquele conselho sábio que a tinha mantido à tona nos momentos mais difíceis, cheios de dúvidas e especulação.

De repente, ouviu o chiado metálico da porta. Levantou o olhar. O agente desagradável acabava de entrar. Tinha um sorriso condescendente nos lábios. Sentou-se à frente dela e arqueou um sobrolho.

– É uma rapariga com muita sorte, menina Wild – disse-lhe, falando com sotaque cockney. – Parece que vão libertá-la.

Lily olhou-o com expressão impassível, pestanejou sob as luzes fluorescentes, sem revelar emoção alguma. O agente começou a bater na mesa de forma rítmica com algo que parecia um relatório datilografado. Continuava a olhar-lhe para os seios, como antes. Os homens como ele estavam em toda a parte. Uma loira com uma cara e um corpo bonitos tinha de ser necessariamente fácil para eles. Aquele tipo parecia um aspirante a marine, com o cabelo rapado de lado. Não havia nada de Príncipe Encantado nele, mas, mesmo que tivesse havido, Lily jamais o teria achado interessante. Embora fizesse filmes românticos com finais felizes, os contos de fadas não eram para ela, não depois da experiência da sua mãe com Johnny Wild.

– Muito bem – disse o aspirante a marine, com um sorriso irónico. – Vocês, as celebridades, têm sempre bons contactos. E, depois, é canja. Por mim, tê-la-ia mandado de volta para a Tailândia, mas, felizmente para si, não depende de mim. Assine isto – pôs-lhe o documento à frente.

– O que é?

– As condições da sua libertação.

Libertação? Iam libertá-la?

Com o coração acelerado, Lily inclinou-se, quase em câmara lenta, e olhou para os papéis. Não podia acreditar que fosse verdade. Tremia tanto que as palavras dançavam sobre o papel.

Quando a porta voltou a abrir-se, nem sequer se incomodou em levantar o olhar. Assumiu que seria o outro agente e voltou a olhar para o papel. De repente, sentiu um calafrio na nuca. Uma voz masculina e grave roubou-lhe o fôlego.

– Está tudo correto, Honey, portanto, assina isso para sairmos daqui.

Lily fechou os olhos com força. Sentiu que a cabeça lhe ia estalar de tanta dor. Teria reconhecido aquela voz em qualquer sítio. Esperou que as faíscas desaparecessem e abriu os olhos novamente. O pesadelo não tinha terminado, mas piorara... Uma reviravolta inesperada.

Jordana tinha recebido a mensagem, mas também fizera exatamente o que receava. Tinha recorrido ao irmão para a ajudar.