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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2003 Christine Rimmer

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Unidos pelo destino, n.º 1138 - Fevereiro 2014

Título original: The Marriage Medallion

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2008

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Julia e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5042-2

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Capítulo 1

 

Ao abrir os olhos, a princesa Brit Thorson deparou-se com um disco prateado pendurado em frente ao seu rosto. Atrás do disco conseguia ver o painel de controlo do seu Cessna Skyhawk.

Pestanejou. O disco de metal balançava em frente ao seu nariz, bloqueando a sua visão. Através do pára-brisas feito em migalhas, conseguia ver o terreno rochoso e, mais ao longe, as montanhas cobertas de verde e o céu azul.

Estava frio e o silêncio invadia o ambiente. Só se ouvia o sussurrar do vento e o ranger do bosque.

Doía-lhe a cabeça e parecia que tudo andava à roda.

Estava de cabeça para baixo, sentada no lugar do piloto e presa pelo cinto de segurança. O disco prateado? Era o medalhão de prata que Medwyn Greyfell lhe entregara antes de ir do palácio para o aeroporto.

– Para te proteger de todos os males – dissera o conselheiro do seu pai.

Tendo em conta a situação em que se encontrava, o medalhão podia ter tido mais efeito.

No entanto, apesar de não ter chegado à pradaria que havia mais à frente, onde a aterragem teria sido mais fácil, estava viva...

Brit fechou os olhos e recordou o que acontecera. Descolara no aeroporto de Lysgard. Subira suavemente até aos seis mil e quinhentos pés. Dirigira-se para noroeste, seguindo a costa da Gullandria. Quando chegara ao rio Drakveden, virara noventa graus.

Então...

Fizera o controlo rotineiro do óleo e vira que estava a zero. Mal pudera acreditar e revira o protocolo de emergência. Pusera o cinto e activara a frequência de radio para transmitir o seu pedido de socorro.

Procurara um espaço onde pudesse aterrar o seu Cessna sem se despenhar. No último momento, vira um local que lhe parecera adequado.

Aterrara com brusquidão e, quando uma das rodas se prendera numa pedra, perdera o controlo. Recordava que fizera uma inclinação brusca e que a asa direita se levantara demasiado.

De repente, tudo ficara escuro...

Brit tirou o cinto e embateu contra o tecto. Fez um esforço e conseguiu sentar-se novamente. Olhou para o painel de controlo e tentou pensar no que acontecera.

O Skyhawk era uma peça de engenharia incrível. Não era possível que tivesse perdido o óleo todo de repente, sem ajuda.

O que acontecera não fora um acidente. Alguém tentara matá-la e quase conseguira.

Com cuidado, tocou no galo que tinha na cabeça. Era muito doloroso, contudo, à excepção daquilo, depois de conseguir orientar-se, encontrava-se bem. Estava tensa e tinha nódoas negras no corpo todo. Mas estava bem. Quando Rutland e ela saíssem dali, ela seguiria a viagem enquanto o seu guia...

«Rutland». Antes de descolar, Rutland ficara pálido.

– Eu não gosto de muito voar, Alteza – dissera. – Se não se importar, vou na parte de trás.

Depois daquela experiência, Rutland não voltaria a entrar num avião.

Brit tremeu. O aquecimento não funcionava e a cabina arrefecera. No exterior, o vento soprava com força.

– Rutland? – chamou em voz alta. – Estás bem?

Virou-se e viu que o guia tinha os joelhos e a cabeça contra o tecto, numa postura desconfortável. Os seus olhos olhavam para ela, sem realmente vê-la.

Era verdade. Rutland Gottshield não voltaria a entrar num avião, a menos que o levassem para ser enterrado em algum lado.

Brit cobriu a boca com a mão. Respirou fundo pelo nariz e soltou o ar devagar. Várias vezes.

Queria gritar. Vomitar. Deixar-se levar pelo pânico, pela pena e pelo sentimento de culpa que se apoderara dela.

– Não. Não percas o controlo – disse para si.

Tentando ignorar o olhar do seu guia falecido, olhou em redor. Tanto a porta da esquerda como a da direita estavam fechadas. Ela tentou mexer os cabos e empurrá-las, porém, não conseguiu.

Tinha de sair dali. Tinha de levar consigo a mala, o casaco e a arma que pusera na rede que havia atrás dos assentos traseiros.

Brit engoliu em seco, respirou fundo e deslizou entre os assentos dianteiros. Rutland estava no meio e, quando tentou passar ao seu lado, o seu corpo caiu sobre ela.

«Um peso morto», pensou com humor negro.

Respirou fundo e empurrou o corpo, ainda quente, contra a janela lateral.

Encostou o assento traseiro do lado direito e tirou as suas coisas. Depois, regressou à área do piloto.

– A arma – murmurou, ofegando. Encontrava-se numa zona selvagem. Tinha de recordar que não se despenhara acidentalmente.

Sabia disparar. O seu tio Cam ensinara-lhe muitos anos antes e ela praticara num campo de tiro em San Fernand Valley. Quando se vivia e trabalhava numa das zonas mais perigosas de Los Angeles, era bom conseguir proteger-se, tanto em casa como no trabalho. Brit servia à mesa numa pizaria para conseguir sobreviver.

A realidade dolorosa? Apesar de Brit ser capaz de mexer numa arma e de pilotar um avião, desistira dos estudos na UCLA e não conseguia viver com o que recebia do fundo fiduciário. Tinha sempre muitas coisas para pagar: as aulas de voo, as aulas de autodefesa, as viagens, as taxas do campo de tiro. Para além disso, quando uma amiga lhe pedia um empréstimo não era capaz de dizer que não.

Portanto a pizaria Piza Pitstop transformara-se numa parte da sua vida.

Brit pendurou a arma ao ombro e pô-la sob o seu braço esquerdo. Depois, vestiu o casaco. Era Setembro e estava frio em Vildelund, a zona norte do país natal do seu pai.

Com a arma e o casaco vestido, estava pronta para partir.

Tocou no bolso do seu casaco e descobriu que ainda tinha o pacote de M&M’s que guardara. Tirou-o e comeu uma bolinha de chocolate.

Desejava estar em sua casa em East Hollywood, quase a sair para ir trabalhar...

– Não! – exclamou para si em voz baixa. – Não penses nisso. Querias fazer isto. Um homem morreu porque tu querias fazer isto.

Chegara o momento de seguir o seu caminho.

Apoiando-se contra o assento, Brit deu um pontapé no pára-brisas e conseguiu fazer um buraco. Passou a mala através do mesmo e depois tentou sair.

Quando conseguiu, conteve-se para não chorar e gritar, aterrorizada.

Estava viva e isso era o mais importante.

Se Rutland tivesse conseguido sair com ela...

Tremendo, olhou para o buraco pelo qual acabava de sair.

Deveria regressar para tentar tirar o guia e dar-lhe um enterro digno?

Tremeu e abanou a cabeça. Enterrar o guia requereria muito tempo e esforço e, de qualquer forma, Rutland não iria descobrir.

Esticou as pernas e permaneceu um instante de cabeça para baixo. Sentia a cabeça às voltas. Durante uns segundos, respirou fundo e olhou para o chão, consciente de que um falcão andava nos arredores, do som da água do rio contra a margem, do sussurro do vento, do frio, do cheiro da vegetação e do rangido da avioneta. Em algum momento, cortara a mão e o sangue corria pelos seus dedos. Ela virou a mão e olhou para a palma e viu que o sangue húmido começava a coagular.

Dobrou a mão. «Estou bem», pensou. Endireitou-se e sacudiu a terra da roupa.

«Eu consigo fazer isto», disse para si.

Além de alguns cortes superficiais, de algumas nódoas negras e do galo na cabeça, estava bem. Levava uma bússola e um mapa com as instruções para chegar ao seu destino. Medwyn, que nascera em Vildelund, dera-lhe aquele mapa. Tinha comida para vários dias e sabia como fazer uma fogueira. Debaixo do casaco, levava uma camisola de lã e uma t-shirt térmica. Também levava umas botas e umas meias de lã. Tinha uma arma e sabia como utilizá-la em caso de necessidade.

Talvez não tivesse acabado a universidade, talvez tivesse dificuldade para encontrar um emprego, porém, era capaz de encarar a vida e a morte.

Conseguiria fazê-lo. Viajara por muitos sítios e seria capaz de encontrar o caminho até à vila dos Místicos, onde se supunha que vivia Eric Greyfell, o filho de Medwyn e o homem que lhe contaria a verdade a respeito da morte do seu irmão Valbrand.

Encontraria Greyfell e falaria com ele. Quando regressasse à civilização, descobriria quem sabotara a sua avioneta e assassinara o pobre Rutland. Certificar-se-ia de que o culpado era castigado e de que os homens do seu pai iriam buscar o cadáver para lhe proporcionar o enterro que merecia.

«Pensa assim», disse para si, enquanto contemplava o terreno escarpado que se estendia diante dela. «O acidente de avião e a morte de Rutland era o pior que poderia ter acontecido. E aconteceu».

O pior já passara e ela continuava viva.

Naquele momento, algo passou a assobiar junto à sua orelha.

Talvez o pior ainda não tivesse acontecido.

Brit levou a mão à sua pistola enquanto caía sobre um joelho. Estava quase a tirar a arma quando ouviu outro assobio e sentiu um golpe seco no seu ombro esquerdo.

Uma seta! Olhou para ela com incredulidade e reparou que tinha a ponta cravada no ombro. O sangue manchara o seu casaco e sentia o seu calor húmido sob a camisola.

Não sentia dor. Apesar do choque, a ferida parecia adormecida.

Para além disso, ainda não morrera.

Percorreu a zona com o olhar em busca do seu atacante. Saindo detrás de uma rocha, viu um rapaz jovem, com uns dezassete ou dezoito anos. Tinha o cabelo loiro e comprido e levava roupa de pele e um arco com o qual apontava para ela. Contudo, ela já tirara a sua pistola. A sua mão esquerda não respondia muito bem, porém, conseguiu tirar a segurança da arma. Era estranho, era como se tivesse ficado dormente. No entanto, poderia disparar apenas com uma mão. De repente, sentiu que a mão direita também não respondia. Pesava-lhe muito e não conseguia mantê-la estendida. Caiu para um lado, com o canhão apontando para o chão.

Estava morta.

Antes que lhe atirassem outra seta, precisamente quando o seu corpo caía sobre o chão, ouviu um disparo. O seu possível assassino resmungou e afastou-se. A seta dirigida ao seu coração mudou de rumo.

Brit caiu, drogada. Por causa da seta que tinha no ombro? Certamente. Não morrera, porém estava num estado de letargia.

Ouviu uns passos. Um homem inclinou-se sobre ela. O seu rosto era bem definido e os seus olhos verdes, deslumbrantes. Ela recordava-o das fotografias que Medwyn lhe mostrara.

Era o filho de Medwyn, Eric Greyfell, o homem que fora ver.

Ali, junto a Greyfell, estava outro homem vestido de negro. Com o rosto escondido atrás de uma máscara de pele.

Aquilo devia ser o que se via antes de morrer.

Não conseguiu manter os olhos abertos.

Silêncio.

Paz.

Inconsciência.

 

 

Durante algum tempo apenas houve silêncio e escuridão.

Depois, chegou o delírio. Ardia-lhe o corpo e estava encharcada em suor.

E sonhava.

Nos sonhos, recebia visitas. Primeiro Elli. Elli era a sua irmã do meio. Eram três gémeas e tinham nascido com horas de diferença. Liv, Elli e Brit.

– Oh, Brit – Elli trazia o seu vestido de casamento viking e também a espada de casamento apontada para baixo, com jóias incrustadas no punho. – Em que te meteste agora?

– Elli, estás linda.

– Tu não.

– Bom, é que... Tenho muito calor. Estou a arder.

– Deverias ter acabado os estudos, não achas? Ou, pelo menos, um daqueles romances que sempre começas e nunca acabas, antes de partires para a tua morte.

– Não estou morta. Ainda...

– Não te avisei? – aquela era Liv. Estava inclinada sobre Brit, olhando para ela com o sobrolho franzido. – O nosso querido pai, o rei, tem o palácio todo vigiado. Há espiões por todo o lado. Como podes chamá-lo papá? Era tão bom que nos abandonou, as filhas de que não precisava... até ter perdido todos os seus filhos.

– Ele é como é...

– Deverias ter cumprido a promessa que fizeste à mamã e teres regressado a casa comigo. Assim não estarias aqui. A suar e a delirar. A morrer.

– Está calor... – Brit fechou os olhos.

Quando os abriu novamente, viu o seu pai. Ele estava de pé, atrás da sua secretária, na sala privada do palácio real. Contudo, também estava com ela, observando-a.

– Brit. Tens de ser forte.

– Está calor...

– Luta. Tens sangue de reis nas veias. Tenho planos para ti. Nem penses em morrer e decepcionar-me.

– Não, papá. Não morrerei. Prometo que não...

Porém, o seu pai abanou a cabeça e desapareceu.

A sua mãe ocupou o seu lugar.

– O que fazes, Brit? Em que estavas a pensar?

– Mamã – disse, tentando acariciá-la, contudo, sentiu dores no ombro. – Oh, mamã, lamento... – porém, a sua mãe também se desvaneceu.

Alguém a ajudou a deitar-se novamente sobre as peles. Uma mulher aproximou-se dela e sussurrou-lhe ao ouvido:

– Está bem. Descanse. Aqui está a salvo.

Também havia outras vozes que diziam que só podiam esperar e tentar fazer com que estivesse o mais calma e confortável possível. Falavam-lhe com suavidade e secavam-lhe o suor com panos molhados.

Depois, apareceu o seu irmão que morrera e que nunca conhecera.

Valbrand.

Uma onda de felicidade percorreu o seu corpo. Não morrera!

Ela sabia, no entanto, nunca se atrevera a admiti-lo.

Ninguém acreditava quando ela dizia que descobriria a verdade a respeito do que acontecera ao seu irmão. Bom, o seu pai acreditava um pouco. E Medwyn. Afinal de contas, eles tinham-na enviado para descobrir o que conseguisse.

Contudo, mais ninguém tinha esperanças. Nem a sua mãe, nem as suas irmãs. Nem sequer Jorund Sorenson, o aliado que encontrara no National Investigative Bureau.

Todos lhe diziam que já conheciam a verdade, que Valbrand morrera no mar.

Ela dizia que, provavelmente, tinham razão, no entanto, procuraria Eric Greyfell para compreender melhor a morte do seu irmão.

Porém, sabia que não era verdade.

E tinha razão.

Tentou pronunciar o seu nome, contudo, as palavras não saíam da sua boca.

Valbrand. Alto, forte e vivo. De pé junto a ela. Estava vestido de preto, como o homem mascarado que vira perto do local onde se despenhara. Valbrand olhava para Eric Greyfell, que estava ao seu lado.

Eric avisou-o:

– Ela está a ver-te. Conhece-te. Não deverias estar aqui sem a máscara.

Uma das mulheres que cuidava dela sussurrou:

– Ela não sabe de nada. Está no mundo dos delírios...

O seu irmão sorriu sem deixar de olhar para Greyfell.

– A mais nova das minhas maninhas... A tua noiva – disse.

«A tua noiva, a tua noiva, a tua noiva...», as suas palavras ecoaram na cabeça de Brit.

– Se sobreviver – disse Greyfell com o rosto inexpressivo.

– Sobreviverá – disse Valbrand. – Thor e Freyja protegem-na. O seu trovão, o seu amor – riu-se. – E a guerra...

Depois daquelas palavras, olhou para ela. Ela apercebeu-se de que algo terrível lhe acontecera no lado esquerdo do seu rosto. Tinha pontos e via-se a malha branca da cicatriz. A carne do meio tinha uma cor entre o avermelhado e o arroxeado. O que poderia provocar algo do género?

Ácido? Um maçarico?

Gritou com pena e desespero.

Agarraram-na com suavidade e deitaram-na novamente, tranquilizando-a:

– Descanse, está a salvo...