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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2002 Lynda Stone

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Um final feliz, n.º 85 - Junho 2014

Título original: Marrying Mischief

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Publicado em português em 2005

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5202-0

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Um

 

Costa Sul de Inglaterra, 1856

 

Ela só pretendia abrir a porta, contudo ficou com a maçaneta na mão e as tábuas meio podres da porta feitas num monte aos seus pés. Deu uma olhadela. Não podia acreditar que ela, Emily Loveyne, a filha do vigário, estivesse a entrar sem permissão na casa dos Bournesea.

Com um suspiro, afastou a hera e a glicínia, ambas demasiado grandes e descuidadas. Era óbvio que ninguém usava aquela entrada há muitos anos. Ela sim tinha entrado por ali quando era criança e acompanhava o seu pai nas visitas de domingo à tarde, quando milady ainda era viva.

Aquela pequena porta era a entrada que ficava mais à mão de sua casa e que os conduzia pelo roseiral até casa. O seu pai adorava rosas. Ainda usufruíam das belezas que cresciam no seu jardim a partir dos pés que Lady Elizabeth lhes tinha dado das suas próprias roseiras. E, ainda bem, porque há tantos anos que ninguém cuidava delas que não eram mais do que um matagal de pontas espigadas e folhas.

Certamente ninguém usava as entradas de serviço, e a entrada principal com uma grade de ferro forjado estava sempre fechada a sete chaves com correntes grossas, além de guardada sempre por ogres barbudos que ela não conhecia, mas que a julgar pelo seu fato pareciam lobos-do-mar.

Contornou a sebe alta que ladeava a construção ocupada pela criadagem. Era mais provável que o seu irmão ali estivesse, e não na casa principal. Embora pudesse encontrar facilmente o caminho nela, não queria arriscar-se a cruzar-se com o conde.

Como se atreveria a reter ao seu serviço Josh, agora que o navio estava ancorado no porto? O bergantim já estava ancorado há dois dias perto da costa quando ela o descobriu. Por que não teriam atracado no porto?

O seu irmão tinha apenas treze anos e devia sentir muito a falta de sua casa, depois de estar embarcado mais de seis meses. O pai não parava de pensar no seu único filho varão e ela tinha sentido terrivelmente a falta dele.

Apesar de ela se queixar com insistência, o pai tinha acedido a que Josh embarcasse como imediato do capitão Roland na sua viagem à Índia. Todavia com a morte do seu pai, tinham avisado Lorde Nicholas de que devia voltar para casa para se ocupar das suas obrigações.

Lorde Nicholas. Era conde, sim, mas com título nobiliário ou sem ele, não tinha o direito de reter o seu irmão ali, e ela encarregar-se-ia de lho deixar bem claro se conseguisse alcançar as suas nobres orelhas.

Levantou um pouco mais as saias e dirigiu-se à porta da casa adjacente ao lugar em que as carruagens estavam guardadas.

Ninguém na povoação tinha visto ainda o conde. Isolando-se daquele modo estava a levar a sua dor demasiado longe, tendo em conta a animosidade que tinha estado sempre presente entre pai e filho. Talvez se sentisse culpado, e seria bem feito, por partir e deixá-lo assim.

Abriu a porta da casa de dois andares em que vivia a criadagem masculina.

– Está aí alguém? – perguntou em voz alta, entrando em todas as divisões que tinham a porta aberta, no entanto, só encontrou móveis poeirentos. Então ouviu vozes do outro lado do corredor.

Emily não sabia o que era a timidez, de modo que se encaminhou naquela direcção. Pelo caminho, passou em frente a uma divisão com a porta entreaberta e parou para olhar. Ali, na cama, estava o seu irmão, profundamente adormecido. Àquelas horas da manhã, e ainda a dormir!

Nem sequer estava vestido. A sua camisa sem mangas deixava a descoberto os seus braços magros e os seus ombros. Estava tão pálido!

– Josh? – chamou-o com suavidade para não o assustar. Não respondeu, portanto aproximou-se da cama e abanou-o levemente. – Josh, estás doente?

Abriu finalmente os olhos. Ao princípio pareceu alegrar-se muito por vê-la, mas a sua expressão tornou-se, de repente, de horror.

– Em, sai daqui!

– Tolices. Nem que fosse a primeira vez que te visse em roupa interior. Além disso...

Dois homens entraram de repente e, segurando-a pelos braços sem dizer nada, tiraram-na dali para a levar para a casa principal.

Aterrorizada perante a possibilidade de o lugar ter sido invadido por uma horda de bandidos e ladrões, Emily resistiu, esperneando e gritando com todas as suas forças.

– Soltem-me! – gritava sem êxito.

Um deles soltou-lhe o braço por um instante para abrir uma porta e o outro empurrou-a sem qualquer delicadeza para que entrasse na biblioteca do conde.

Emily ficou quieta de repente ao sentir-se livre e olhou ao seu redor.

O homem sentado atrás da enorme mesa de cerejeira levantou-se. Quase não o reconhecia. Parecia muito maior, muito mais corpulento e absolutamente furioso por vê-la ali. Uns olhos azuis que mostravam tanto calor sete anos antes rivalizavam com o frio do árctico ao olhar para ela. Tinha a sobrancelha franzida e a boca, que uma vez a beijara com tanta paixão, formava uma careta de desgosto.

– Nicholas! – exclamou, surpreendida com tanta mudança.

– Que raios fazes aqui? – bramou. – Quem a deixou entrar?

Um dos brutamontes que a tinha levado pigarreou.

– Ninguém. Deve ter entrado à socapa, milorde. Encontramo-la no quarto do jovem Josh.

Nicholas fez uma careta de dor e esfregou as têmporas com os dedos.

– Maldita sejas!

– Maldito sejas tu! – zangou-se ela. – Não pretendia incomodá-lo com a minha presença, milorde. Só vim buscar o meu irmão para o levar para casa, e se fizer o favor de me desculpar, é isso que vou fazer.

– Não podes fazê-lo.

– Ai não? Olha e verás – replicou, dando meia volta. Os dois homens cortaram-lhe a passagem. – Afastai-vos – ordenou com o seu melhor tom de professora severa. Tinha estado a praticar para a que ia ser a sua nova ocupação, mas, aparentemente, não funcionava com adultos. Não saíram do mesmo sítio.

Nicholas saiu detrás daquela mesa monstruosa. Emily ouviu-o mexer-se e sentiu a sua presença atrás de si. Voltou-se muito zangada.

– Emily, temos que falar. Queres fazer o favor de te sentares? Wrecker, serve-nos um conhaque.

– Sabes muito bem que não bebo álcool – respondeu ela, levando uma mão ao pescoço com a esperança de encobrir a pulsação acelerada. – Diz-me o que tens a dizer-me, e depois Josh e eu iremos para casa. Não tem bom aspecto.

Ele ofereceu-lhe o seu braço, mas ela rejeitou-o.

– Deixai-nos – disse aos dois homens. – Descobri como conseguiu enganar os guardas e assegurai-vos de que ninguém volte a fazê-lo, ou respondereis perante mim.

Ouviu a porta a fechar-se.

– E agora o que vais fazer? – perguntou, tentando não mostrar medo, apesar de estar quase petrificada. Aquele não era o Nick que ela conhecia. O seu pretendente simpático tinha desaparecido, dando lugar àquele estranho anti-social e agressivo que a tinha paralisado.

– Por favor, Emily, senta-te – pediu.

Mas ela não fez caso e afastou-se dele.

Há dias que não se devia barbear, não usava casaco e tinha arregaçado as mangas da camisa, deixando a descoberto uns braços fortes e bronzeados pelo sol. Tinha um lindo cabelo escuro, com alguns caracóis que lhe caíam sobre a testa e outros atrás da nuca, e do colarinho da camisa desabotoada via-se pêlo ainda mais escuro no peito.

Aquela imagem perturbava-a. Nunca antes o tinha visto assim, tão descuidado, quase como uma cama por fazer. Pensar em Nicholas ao mesmo tempo que numa cama foi uma ideia que a inquietou ainda mais.

Apoiou-se contra a mesa para interpor todo o espaço disponível entre eles. O coração batia-lhe desalmadamente.

– Não devias ter vindo – disse-lhe com um pouco mais de suavidade.

Emily suspirou, olhando para o tecto.

– Não tens que te preocupar, que até eu sou suficientemente inteligente para não vir pedir-te explicações das tuas acções, nem passadas nem presentes. Afasta-te do meu caminho e não te incomodarei mais.

– Eu gostava de acreditar em ti. O teu marido sabe que andas a invadir propriedades privadas sem teres sido convidada a entrar?

– O meu marido? – riu-se amargamente. – Claro que não, visto que não tenho marido, pelo que dou constantemente graças a Deus!

– Não... és casada – repetiu, como se precisasse de confirmar a informação.

– É claro que não, e os dois sabemos a razão. Mas tenho um irmão que vai acompanhar-me a casa a menos que me dês a razão pela qual não pode fazê-lo.

– Está doente – disse com mais suavidade. – Joshua não pode sair de Bournesea, e tu, agora que já estás cá dentro, também não podes ir.

– O quê? Pretendes reter-nos aqui contra a nossa vontade?

– Se for necessário, sim – disse com firmeza. – Receamos uma epidemia de cólera-morbo.

Emily ficou sem respiração. Os olhos nublaram-se-lhe e os joelhos deixaram de a segurar, de modo que teve que se agarrar à mesa que tinha atrás de si. Louvado fosse Deus... cólera-morbo? Antes que se desse conta, ele estava ali, a segurá-la.

Acompanhou-a ao pequeno sofá de brocado e ajoelhou-se diante dela, as suas mãos ainda nos seus braços.

– Emily, lamento muitíssimo que isto tenha acontecido, acredita em mim. E perdoa a minha pouca delicadeza ao dizer-to, mas não conheço outra forma de dar uma notícia destas.

Emily passou uma mão pela testa e, em seguida, levou-a aos lábios. Sentia náuseas.

– Respira fundo – sugeriu ele. – Recosta-te – acrescentou e obrigou-a a apoiar a cabeça nas costas almofadadas do sofá.

Viu-o levantar-se e abrir a porta de um armário. Um instante depois, voltava com um copo e aproximava-lho dos lábios.

– Bebe um gole disto. Vai fazer-te bem.

Sem pensar duas vezes, bebeu não um, mas dois goles, e a tosse que se sucedeu quase a sufocou.

– Vai... morrer Josh? – perguntou-lhe, com as lágrimas a correrem-lhe pelas faces.

– Claro que não – assegurou-lhe ele. – Prometo-te. Desde que chegámos a terra tem melhorado de dia para dia. De facto, está a beber líquidos e já quase não tem febre.

Emily segurou-lhe o braço com as duas mãos.

– Tem que ir a um médico, Nick, por favor...

Afastou-lhe uma madeixa de cabelo da testa.

– Está a ser visto pelo melhor. O doutor Evans é uma autoridade na matéria.

Emily respirou fundo.

– Pois eu nunca ouvi falar dele.

– É o médico do navio. Há anos que navega com o capitão Roland.

– Mas se se trata de cólera, Nicholas... – sussurrou. – Não posso acreditar.

– Já tivemos epidemias no passado – recordou-lhe. – Ninguém está a salvo.

– Mas sobretudo em Londres e noutras cidades grandes, mas nunca por aqui.

– Não, mas agora há em Lisboa, onde atracámos a caminho de casa. Aparentemente foi ali que a contraímos.

– Em Portugal?

– Sim. Há muito tempo que não há epidemias em Inglaterra, e é isso que pretendo evitar. Presenciei em primeira-mão o desastre que provocou na Índia, e por isso não posso permitir que nem Josh, nem tu, nem ninguém saiam daqui. Por teres estado com o teu irmão, ficaste exposta – explicou com suavidade. – E também não quero que espalhes o rumor e instales o pânico.

– Mas o meu pai...

– Vamos dizer-lho, é claro, quando vier buscar-te. Infelizmente não posso enviar ninguém para o informar, portanto quando se aproximar da casa, eu mesmo falarei com ele a uma distância segura. Sei que posso confiar na tua discrição.

– O meu pai não está bem – disse Emily, – e vai apanhar um grande susto quando descobrir que não estou em casa à hora do jantar. Não lhe disse onde ia.

Nicholas suspirou. Tinha uma mão dela entre as suas. Quando tinha pegado nela e por que não se dera ela conta? Devia tirá-la, contudo precisava tanto do consolo...

– Há alguém que possa ocupar-se do vigário na tua ausência? – perguntou.

Emily assentiu, estava tão angustiada com o que acabava de saber que o jantar do vigário lhe pareceu algo irrelevante.

Nick deu-lhe umas palmadas na mão.

– Vou mandar preparar o quarto da minha mãe para ti. Sei que ela teria aprovado – disse-lhe com um sorriso.

Aquele sim era o Nick que ela recordava. Era um alívio comprovar que continuava vivo dentro daquele patife moreno, musculado e descuidado que a assustava. Mesmo assim, apertou a sua mão em busca do único consolo que podia obter.

Josh ia recuperar rapidamente. Tinha que o fazer.

– E se eu adoecer com cólera, Nick? Não haverá ninguém para cuidar do meu pai e de Josh. Não posso permitir-me morrer!

Ele tentou acalmá-la.

– Então e a senhora Pease? Antes cozinhava para vocês, não?

– E continua a fazê-lo. Referia-me a que alguém terá que se encarregar dos gastos do meu pai, quando ele se reformar, que será em breve. E Josh terá que ir à escola.

– Ah! – compreendeu. – Não tens que te preocupar com isso. Mesmo que acontecesse o pior e sucumbíssemos os dois à doença, podes ficar descansada que nada faltará à tua família no futuro.

– O que queres dizer?

Dedicou-lhe aquele sorriso doce com que a convencera de que gostava dela anos antes. Porém a verdade era outra, e não devia interpretar mal as coisas.

– Assim que ganhei algum dinheiro que não tinha que ser reinvestido no negócio do meu pai, a primeira coisa que fiz foi mencionar-te no meu testamento. Portanto, a tua família, como parentes mais próximos, herdariam o que eu te deixasse.

– Porquê? Por que fizeste uma coisa dessas? Sentes-te culpado?

Certamente. Só a culpa podia tê-lo instigado a fazê-lo. Tinha seduzido uma jovenzinha com palavras bonitas, presentes e beijos, para a deixar no dia seguinte sem sequer uma explicação e sem intenção de voltar para o seu lado. Tinha demorado anos a convencer-se disso, e ele não seria homem se não sentisse remorsos pela dor que lhe tinha infligido.

– É claro – admitiu. Soltou a sua mão e levantou-se.

– Se já recuperaste, vou mandar que te acomodem. Fica aqui, por favor. Vamos tentar manter-nos isolados na medida do possível.

Inclinou-se levemente para ela e saiu.

Emily levantou-se, tentando dissipar o horror que estava a sentir. Mil perguntas lhe vieram ao mesmo tempo à cabeça assim que ele saiu. Quais eram os sintomas da doença? Quanto tempo durava? Quantas pessoas recuperavam de entre as que dela padeciam? Olhou ao seu redor. Livros. Encontraria a resposta nalgum deles.

Rapidamente aproximou-se das estantes e começou a ler os títulos. Num deles, encontrou um tratado de medicina. Havia um papel metido entre as páginas que marcava já o capítulo referente à cólera. Nicholas devia tê-lo lido.

Levou o livro para o sofá e começou a ler, mas em seguida descobriu que não proporcionava muita informação. Na sua maioria era pura especulação. Remédios que tinham funcionado com alguns doentes e acabado com a vida de outros. A causa da propagação da doença ou como se transmitia entre seres humanos continuava a ser um mistério.

Pouco depois entrou Nicholas.

– Vejo que estás a empregar o tempo de forma produtiva. Sempre foste uma mulher de recursos.

Passou uma página e levantou os olhos.

– Há quanto tempo está Josh doente?

– Dois dias depois de termos zarpado de Lisboa, começou a ter febre e a comportar-se de um modo estranho. Outros dois marujos apresentavam os mesmos sintomas. Josh e eles desembarcaram juntos e devem ter contraído a doença na cidade.

– Permitiste que um rapaz desembarcasse num porto estrangeiro na companhia de dois marinheiros? – arremeteu contra ele. – Que tipo de embarcação comandas?

Ele olhou para ela fixamente.

– Um desses marinheiros é o capitão, Emily, um homem que tu conheces e respeitas. Eu não estava a bordo nesse momento, e o capitão Roland tinha coisas para fazer na cidade, e não lhe pareceu bem deixar um rapaz sozinho no navio sem a devida supervisão, portanto, amavelmente, decidiu levá-lo consigo.

– Ah! – respondeu Emily, mordendo o lábio. – O capitão também está doente?

– Infelizmente, mas eu já naveguei o suficiente para saber trazer o navio para casa. Não me parecia que pudessem ser tratados devidamente em alto-mar. Colocámo-los aos três no camarote maior e o nosso médico ofereceu-se para tratar deles e ficar também isolado do resto da tripulação. Chegámos à costa e viemos directamente para aqui há três noites. Não se apresentou nenhum outro caso entre a tripulação, de modo que acreditamos ter detido o contágio.

– E a criadagem da casa? – perguntou. Era estranho que ninguém tivesse dito nada na povoação.

– Cheguei sozinho e falei através da grade com o mordomo. Disse-lhes simplesmente que tinham que deixar Bournesea numa hora, irem para a casa de Londres e ficarem lá.

– E partiram assim sem mais nem menos?

– Seguiram as minhas instruções. Suponho que sentiram curiosidade, mas nunca questionariam ou desobedeceriam às minhas ordens. O meu pai ensinou-os bem nesse sentido.

Emily assentiu, demasiado preocupada com a doença para fazer qualquer comentário a respeito da mão de ferro que o seu pai usava com a criadagem.

– O médico não adoeceu?

– Não, e assegura que os três doentes estão em situação diferente, mas que todos vão recuperar, o que é uma sorte, porque são poucos os que sobrevivem a esta doença e muitos os que morrem poucas horas depois de a terem contraído.

Emily respirou fundo.

– Eu sei. Ouvi falar nisso.

– Ninguém sabe como se contagia, no entanto, nós não estivemos em contacto com ninguém fora da tripulação depois de terem adoecido. Suponho que se passarem outras vinte e quatro horas e ninguém ficar doente, podemos continuar com os nossos assuntos calmamente e felicitar-nos por termos tido tanta sorte.

– Certamente – respondeu Emily pensativa. Pôs de parte o livro e levantou-se. – Eu trato de Josh.

– Não! – exclamou ele, bloqueando a porta como se receasse que fosse fugir. O que teria feito sem dúvida. – Emily, tens que dar-lhe dois dias pelo menos – pediu-lhe com mais suavidade. – Suplico-te. Prometo que se continuar a melhorar poderás vê-lo. O teu contacto com ele foi muito breve e não devemos arriscar

– Não me deixas escolha – respondeu, embora soubesse que o fazia para seu bem.

– Lamento dizer que não. E lamento não poder permitir que te vás embora, mas algumas semanas de lazer não te farão mal nenhum.

– Como se tu soubesses… – murmurou.

– O quê? O que estou a pedir-te que abandones assim tão crucial? O chá com as damas da povoação? Um passeio com algum cavalheiro da localidade?

– Como te atreves a julgar a minha vida? Este confinamento vai custar-me o emprego, o que significará que o meu pai terá que continuar a trabalhar para ti sabe-se lá mais quanto tempo! – sentou-se no sofá e pousou o livro grosso no chão. – E nada de pretendentes, graças a ti!

Ele sorriu.

– Não tens pretendentes? Pois a verdade é que fico contente. Como é que a culpa é minha? Tinha ouvido dizer que tinhas um namorado e que pensavam em casar.

– Pois, infelizmente, informaram-te mal – replicou, olhando para ele fixamente nos olhos. – Depois de ti, não quis saber de mais nenhum homem.

– Esse emprego que mencionaste – disse, mudando de assunto, – é na povoação? Tem alguma coisa a ver com costura? Recordo que tinhas umas mãos magníficas para a agulha.

Ela baixou a cabeça. Oxalá não tivesse falado nisso.

– Governanta – murmurou, e imediatamente se repreendeu pelas suas dúvidas. Por que tinha que recear que ele se sentisse mal? Ele não se tinha preocupado absolutamente nada que ela se sentisse mal no passado.

A sua expressão tornou-se triste.

– Oh, Emily...

Parecia desiludido. Porquê? Por estar a meio caminho entre os nobres de berço e os criados, sem se ver aceite por nenhum dos grupos? Sabia bem o que podia esperar, e era um preço acessível a pagar pelo que ia conseguir.

O seu único objectivo na vida era assegurar ganhos para poder manter a família. O seu pai não duraria muito se continuasse a trabalhar àquele ritmo, e Josh devia estar na escola em vez de andar daqui para ali metido num navio. Mas agora os seus planos tinham-se desvanecido.

– Ia para Londres depois de amanhã para ocupar o meu lugar imediatamente. Era uma condição obrigatória. Agora Lorde Vintley contratará outra pessoa para o meu lugar.

– Vintley? – perguntou, franzindo o sobrolho. – Se se tratar da casa dele, é melhor que tenha sido assim. Costumava visitar os Worthing. Conheci-o lá e não me causou boa impressão.

Emily apertou os lábios, todavia não conteve a resposta.

– A filha de Lorde Worthing recomendou-me a casa, e tenho a certeza de que se desiludiria enormemente se soubesse que perdi a oportunidade que me proporcionou.

– Dierdre – disse ele muito sério.

– Exacto. A tua noiva.

– Dierdre não é minha noiva.

– Pois o teu pai parecia pensar de outro modo. Disse-me que estavam noivos há dois anos, antes de te ires embora.

– Isso não é verdade. Esse casamento era desejo dele, não meu.

– Como queiras – respondeu ela, olhando para ele com atenção para ver se conseguia detectar a mentira. Tanto o pai dele, como ele, mentiam como velhacos. Ela estava mais predisposta a acreditar em Nick, claro, mas não esquecia que uma vez traíra a sua confiança.

Ele apoiou-se contra a mesa e cruzou os braços.

– Visto que nunca gostaste de Dierdre, posso saber por que aceitaste esse trabalho?

– Pela remuneração, milorde – respondeu sem hesitar. – E mais: escrevi-lhe para lhe agradecer pela sua intervenção. O salário é o dobro do que poderia conseguir aqui.

Por duzentas libras por ano, poderia suportar quase tudo. Até a satisfação de Dierdre Worthing.

Era uma oferta que não podia recusar. O que entrasse poderia salvar a vida do seu pai antes que o seu coração acabasse por se render. E também se asseguraria de que Josh recebesse a devida educação.

– Mesmo que o teu pai tenha que deixar de trabalhar aqui, Emily, tu não tens que procurar emprego – disse ele. Com demasiada condescendência, na sua opinião. Uma condescendência que podia guardar num certo sítio. – Só tens que me dizer do que precisas. Já sabes que podes sempre recorrer a mim seja para o que for.

Emily assentiu.

– Pois! Se acrescentarmos uma quantia mensal aos rumores que já circularam sobre tu e eu termos uma aventura, teremos um escândalo. É isso que desejas? Pois eu não, Lorde Kendale. Tive que trabalhar muito para dissipar esses rumores e não penso permitir que voltem a disparar. Estamos entendidos?

– Nós não tivemos nenhuma aventura! – exclamou, desconfortável até pelo termo que tinha usado. – Isto é absurdo. Eu limitei-me a oferecer a minha ajuda a uma amiga querida, e tu sabes!

– Uma amiga querida que abraçaste e beijaste no meio da praça para que toda a gente visse. Esse teu acto estragou a minha reputação, sabes?

Aquelas palavras fizeram-lhe sentir-se desconfortável. E era assim que ela queria que se sentisse. Queria vê-lo de joelhos a implorar o seu perdão. Queria que a abraçasse e lhe suplicasse outra oportunidade. E queria também arrancar-lhe os olhos.

– Olha, Emily...

– Estão prontos os aposentos onde queres que fique? – interrompeu.

Com um suspiro, assentiu.

– Sim. O quarto já deve ter arejado.

– Então, e tendo em conta as circunstâncias, vejo-me obrigada a agradecer-te pela tua hospitalidade.

– E eu sinto-me também obrigado na mesma medida a assegurar-te que és bem-vinda nesta casa. Se necessitares de alguma coisa, só tens que tocar a campainha. Não há aias que possam atender-te, mas alguém te levará o que precisares.

Ela passou em frente dele tão erguida quanto pôde para sair da biblioteca. «O que precisares.» Ocorria-lhe uma quantidade enorme de coisas, mas certamente nenhuma que se pudesse conseguir tocando uma campainha.