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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1999 Nicola Cornick. Todos os direitos reservados.

UMA GRANDE DAMA, Nº 23 - Junho 2013

Título original: Lady Polly

Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Publicado em português em 2002

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Internacional e logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2999-2

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Prólogo

 

– Estás louco, Henry! – exclamou Simon Verey, ao recostar-se à mesa. Falava em tom exasperado com o amigo, embora este não respondesse da mesma forma. – Não passará de algumas semanas, um mês, talvez, para que todos se esqueçam dos rumores espalhados por Miss Jacques! E se fores à reunião de Lady Paulesbury esta noite, vão arrancar o teu fígado!

Lorde Henry apenas sorriu, ao arranjar a gravata, diante do espelho.

– Estilo Napoleão – observou, ao referir-se ao laço. – Achas que me dará a sorte dos franceses esta noite, Simon?

– No amor ou na guerra? – ironizou o amigo.

Henry sorriu mais uma vez e respondeu:

– Pena eu não poder seguir os teus conselhos. Preciso de ver Lady Polly Seagrave hoje. Ainda espero convencê-la a casar comigo.

Verey apertou os lábios; já tinha visto aquele mesmo brilho nos olhos cinzentos do amigo e sabia que significava problemas. Entendia o desespero do amigo, mas achava que ele tinha calculado mal as suas possibilidades.

– Nunca permitirão que te aproximes dela – aconselhou. – Pelo amor de Deus, todos acham que tentaste seduzir Miss Jacques e que propuseste casamento a Lady Polly no dia seguinte, apenas pela sua fortuna! Henry, ouve-me, eles vão acabar contigo!

– Lady Polly nunca acreditaria num absurdo desses.

Verey meneou a cabeça, diante da teimosia do amigo. Não entendia o motivo que o levou a pedir a mão de Polly, a filha do poderoso Conde Seagrave, enquanto rumores tão terríveis corriam por Londres sobre a sua reputação. Como é que ele pensava que o nobre aceitaria casar a sua única filha com alguém de quem se dizia as piores coisas?!

Toda a sociedade londrina, com o seu voraz apetite por escândalos, comentava as acusações que Miss Sally Jacques fizera, sobre as intenções pouco decentes de Henry a seu respeito. Simon sabia que os motivos de Sally eram outros: incapaz de se igualar às raparigas de Londres, pois o seu pai não era um nobre, mas um comerciante que enriquecera através de meios pouco lícitos, ela não conseguiu a atenção de Henry e deu o golpe final. Simon também sabia que os rumores que ela inventou logo seriam esquecidos por todos. Se Henry pudesse manter o seu equilíbrio, como sempre fazia!... Mas a sua paixão alucinada por Lady Polly não o deixava pensar correctamente, fazia-o ter pressa, sem o bom senso de esperar durante algum tempo para que tudo estivesse mais calmo. Estava disposto a apoiar o seu amigo, mas tinha a certeza de que aquela seria uma noite terrível.

 

 

A recepção que tiveram na mansão dos Paulersbury não podia ter sido pior. Houve um silêncio generalizado assim que Lorde Henry foi anunciado à porta. Homens que foram seus amigos viraram-lhe as costas enquanto as mulheres cochichavam por trás dos seus leques ou olhavam-no com expressão de desagrado, afastando-se em seguida. Lorde Paulersbury quase o expulsou, mas o temperamento mais controlado da sua esposa prevaleceu. Entretanto, Henry foi olhado e tratado como um indesejado, ignorado e ridicularizado, numa experiência profundamente humilhante e desagradável.

Quando Lady Polly o viu, soube de imediato que ele estava à sua procura. Prendeu a respiração, tensa. Imaginava a coragem que ele tinha, para se expor assim, em público, apenas para ter a oportunidade de lhe falar. Henry devia saber que o seu pai a proibira de olhar para ele e que a cidade toda falava a respeito da sedução que ele tentara com a pobre Miss Jacques...

Polly estava furiosa com tudo o que Sally Jacques fez a Henry. Ambas foram amigas antes que o ciúme doentio de Sally por Henry tivesse colocado um abismo entre ambas. Sally disse que a sua carruagem se partiu nas proximidades da casa de Lorde Henry em Ruthford e que foi forçada a passar a noite ali, o que acabou por comprometer a sua honra. Henry alegou que tinha criados em casa, bem como a acompanhante de Sally, e que nada aconteceu entre ambos, mas foi em vão. A sociedade estava espantada diante do que Sally insistia em dizer; ela até chegou a jurar que Henry a seduziu e que depois a pediu em casamento.

A recusa de Henry em agir dessa forma, então, provava, aos olhos de todos, que ele não era um cavalheiro honrado. Passou a ser visto como um canalha sem escrúpulos, no qual ninguém podia confiar.

Dias antes, quando Polly ouviu duas senhoras a comentar o facto, uma onda de raiva fê-la reagir contra tais calúnias, mas a sua mãe puxou-a para um canto, aconselhou-a a calar-se ou todos pensariam que Henry também a seduzira!

Polly tentou argumentar, dizer que Henry era um homem de honra, mas a sua mãe chegou quase a sentir pena da sua atitude. Com mais calma, aconselhou-a a manter-se calada, pois todos estavam a comentar o que aconteceu e, mesmo sendo mentira, acreditariam no que quisessem e não nos factos reais... Assim era a sociedade...

Sempre obediente, Polly consentiu e aceitou as palavras da mãe. Tinha apenas dezoito anos e não entendia muito bem as consequências do que podia vir a acontecer caso acreditasse piamente em Henry...

Polly sentiu um aperto no braço direito. A sua mãe estava, mais uma vez, a puxá-la para o lado, a murmurar ao seu ouvido:

– Não demonstres que o viste.

Polly sabia que a sua mãe agia com a melhor das intenções. O nome de uma jovem era precioso de mais para ser enlameado e os escândalos tinham uma força medonha. Já vira casos em que uma rapariga acabara solteira para o resto da vida apenas por ter a sua reputação manchada por um deles. Porém, sentia-se dividida. Nunca amara antes e os sentimentos que Henry lhe provocava eram muito intensos. Contudo, ele nunca lhe faltou ao respeito. Era sempre atencioso, educado. E, quando sorria, ela sentia-se derreter...

Deixou-se levar pelas mãos da mãe, mas não pôde evitar um olhar furtivo em direcção a ele. Henry ainda a observava. E ela sentiu medo de que, sem pensar, Henry pudesse provocar uma cena. Seria muito romântico, mas, definitivamente, constrangedor.

 

 

Foi apenas mais tarde, nessa mesma noite, que Lorde Henry conseguiu falar com Polly a sós. Durante o baile, ela teve consciência da sua presença, percebendo o seu olhar insistente e firme. Mas Lady Seagrave estava atenta e seguia os passos da filha com extremo cuidado. Apenas quando Polly garantiu que se afastaria por alguns minutos para ir à casa de banho, a prestimosa senhora afastou-se.

Foi quando ela voltava para o salão que Henry a interceptou no corredor, puxando-a para uma sala ao lado, sem mesmo lhe dar oportunidade de reagir.

Henry estava resoluto, sério, e ela imaginou que os seus modos eram os de um estranho... Não estava acostumada a lidar com emoções fortes. O lar dos Seagrave era tranquilo, sem grandes demonstrações de sentimentos. E Polly nada sabia sobre o amor. Amava os seus pais e respeitava-os e sabia, um tanto secretamente, que os seus irmãos tinham encontros com certas senhoras, por quem nutriam afeição... Mas ela ouviu a sua mãe segredar a uma amiga que tais romances nada tinham a ver com amor... E agora, ali estava Lorde Henry, diante dela, inflamado na sua paixão, a deixá-la, até certo ponto, amedrontada.

– Sabes que o meu pai me proibiu de te falar – conseguiu balbuciar.

– Eu sei, eu sei! – ele tomava-lhe as mãos nas suas, com força. – Mas eu precisava de te ver! Ele recusou a minha proposta de casamento, mas não podemos deixar de nos ver! Anda comigo, meu amor! Se confiares em mim, eu...

Polly retirou as mãos das dele e afastou-se, muito pálida.

– Fugir contigo?! – murmurou, incrédula e chocada.

– Deves saber como te amo! Casa comigo!

Ela engoliu em seco. Sentia-se tentada pela proposta ardente, mas estava presa a tudo o que aprendera desde criança.

– Não posso... O meu pai... O escândalo! Pensa bem! – ela tinha os olhos muito abertos diante da horrível possibilidade.

De repente, apercebeu-se de que a sua recusa, a sua expressão, deviam ter dito muito mais a Lorde Henry do que podia imaginar. Os olhos dele, sempre tão carinhosos, endureceram-se. E Polly teve a sensação de que acabara de perder algo muito precioso, embora não soubesse exactamente o quê.

Mas Henry já tinha virado as costas e nada podia fazer. Ainda mais porque, nesse momento, a voz furiosa da sua mãe chamou-a:

– Polly! Eu sabia que não podia deixar-te sozinha! Quanto ao senhor... – voltou-se para Henry, mas ele, frio, disse apenas:

– Não precisa de temer pela sua filha no que me diz respeito, senhora. Dou-lhe a minha palavra de que nunca me aproximarei dela novamente.

E, assim, foi-se embora, deixando Polly no aconchego dos braços da sua mãe, mas com um imenso sentimento de desolação no peito...

Um

 

Sir Godfrey Orbison não entendia as mulheres. Nunca se casou e, tendo pouquíssimas mulheres no seu círculo de amizades, sentia-se desajeitado para lidar com uma afilhada que considerava, ao mesmo tempo, tola e ingrata.

– Recusaste porque não o amavas? – indagou, incrédulo, os olhos fixos no rosto de Lady Polly Seagrave. – Porque é que fizeste isso, santo Deus?! O que é que o amor tem a ver com o casamento, afinal?! Esse rapaz é herdeiro do Duque de Bellars! E, por pior que seja, tenho a impressão de que sempre será melhor do que a perspectiva de não se casar... Já estás na idade de encontrar alguém.

Polly apenas sorriu. Conhecia muito bem o temperamento do padrinho e sabia que ele logo esqueceria a zanga e a trataria com o carinho de sempre. Sabia, porém, que a recusa do seu quinto pretendente nesse ano e o décimo nono na sua vida, era algo que poderia, com certeza, deixar o bondoso Sir Orbison um tanto alterado. Afinal, ele era o seu responsável, tanto como o seu irmão mais velho, e podia, se lhe aprouvesse, deixar de lhe dar a sua mesada, como era costume. Dentro de dezoito meses, Polly completaria vinte e cinco anos e seria dona da sua própria fortuna, mas, se Sir Orbison quisesse torná-la pobre, contaria com o apoio legal para tanto. Portanto, ela sabia que devia ser muito cuidadosa e gentil.

– O senhor tem sido muito bom para mim desde o falecimento do meu pai – disse, a sorrir ainda. – E agradeço pelos seus cuidados e os seus conselhos, mas acredito que não quisesse, de facto, que eu desposasse John Bellars. Ele é gentil e até um pouco tolo; mas o problema seria a sua mãe. Lady Bellars controla-o completamente e está sempre tão mal-humorada! Além de ser sovina também.

Sir Orbison olhou-a, prestando atenção ao que dizia.

– E ouvi dizer que ela chega a ser miserável com o pobre John! – continuou Polly, sabendo que começava a convencer o padrinho. – E não foi ela mesma quem, na sua juventude, o perseguiu abertamente? Houve até apostas entre os cavalheiros mais ilustres sobre se ela conseguiria casar-se consigo ou não, lembra-se?

Sir Orbison chegou a sorrir.

– De facto, já me tinha esquecido disso – comentou, vaidoso. – Ela era, de facto, enfadonha e atirada de mais para o meu gosto. Bem... como o recusaste, então... Acho que devo estar aliviado ou aquela mulher podia imaginar que seria outra oportunidade para tentar conquistar-me...

– A sério? – Polly divertia-se interiormente com a ideia de ver Lady Bellars a perseguir o convicto solteirão. A seu ver, os homens tinham muito orgulho nas suas qualidades e na sua sedução.

Sir Orbison olhava para Polly, agora com condescendência.

– Sabes que esta situação não pode durar muito tempo, não é, querida? – observou. – Dezanove pretendentes e todos muito bons partidos e, no entanto, nenhum a teu gosto!... Imaginei que aceitasses Julian Morrish, quando ele te fez a corte. Um excelente rapaz, diga-se de passagem. Um dos melhores de Londres!

Lady Seagrave, a mãe de Polly, que até ao momento se mantivera entretida com um vaso de flores, praticamente ignorando o rumo da conversa, voltou-se, atenta agora ao que se dizia. Percebera que, por alguns segundos, a cor tinha voltado às feições pálidas da filha, coisa que raramente acontecia nos últimos tempos. Lembrava-se muito bem dos tempos em que Polly costumava ser alegre e descontraída e não fria e reclusa como agora. Os cabelos negros e os olhos castanhos ainda estavam lá, mas era como se o brilho neles agora fosse menos intenso ou mais triste... Bela como sempre, ela continuou a receber muitas ofertas de casamento, mas recusava-as todas; nenhum homem naqueles cinco anos fora capaz de a persuadir a casar-se...

Quanto a Julian Morrish... Fora, de facto, um momento infeliz, um acontecimento que causara profundo constrangimento a toda a família, até que Lucille, a nora de Lady Seagrave, intercedera junto do marido, para que relevasse o comportamento de Polly e a sua teimosia em não aceitar rapaz algum. Nick Seagrave ficou furioso pelo seu melhor amigo, Julian, ter sido rejeitado pela irmã. Todos sabiam em Londres que Julian era um excelente rapaz, contra quem nada podia ser dito. A recusa de Polly criara uma lacuna entre os dois amigos e, acima de tudo, provocou uma atmosfera ainda mais difícil entre os membros da família Seagrave. O outro irmão de Polly, Peter, chegou a afirmar que preferia enfrentar os franceses novamente em Waterloo a ter de suportar o mau humor dos dois irmãos.

– Talvez fosse melhor se Polly se recolhesse um pouco agora – sugeriu Lady Seagrave, querendo manter o bom humor repentino da filha. – Iremos à recepção de Lady Phillips esta noite e o senhor sabe como Polly se cansa facilmente... Vamos, querida?

Em resposta ao significativo assentimento da mãe, Polly levantou-se, deu um beijo suave no rosto do padrinho e saiu da sala. Já não estava tão animada. A menção do nome de Julian Morrish não soara bem...

No hall, parou por instantes junto a uma pilastra de mármore e encostou o rosto a ela, sentindo-a gelada. Sabia que não seria muito fácil falar com o padrinho após a recusa a John Bellars, ainda mais porque ela seguira de perto o fiasco que fora a proposta de casamento de Julian Morrish. Polly, mais do que ninguém, sentira a pressão daquela outra recusa. Ainda mais devido ao que ela causou ao seu irmão Nick. Mas não pudera aceitar Julian. E nem podia aceitar nenhum outro enquanto o espectro de Lorde Henry Marchnight persistisse em colocar-se à sua frente. Sentiu que uma lágrima escapava dos olhos e engoliu em seco.

Logo depois do que se passara entre ela e Henry, cinco anos antes, mergulhara numa tristeza profunda, culpando-se por não ter tido a coragem necessária para fugir com ele. Sentia-se estranhamente perdida, como se tivesse deixado para trás algo muito precioso que nunca mais podia recuperar. Ainda podia lembrar-se da expressão no rosto dele quando se recusara a segui-lo, naquela noite, no baile... Podia rever os seus olhos, a dor, a decepção neles. Mas foi apenas mais tarde, quando pôde entender melhor as consequências do seu acto, que Polly percebeu a grande perda da sua vida; apercebeu-se de que o amor dele era muito maior do que a paixão juvenil dela. Mas ela apenas não estava pronta, naquela altura, para aceitar a total responsabilidade do amor e as suas implicações. Não podia desafiar a sua família e fugir com o homem que, agora tinha a certeza, já amava.

Henry estava a maior parte do tempo fora de Londres e, durante alguns anos, o seu caminho e o de Polly não se cruzaram. E, com o passar do tempo, as conversas que ouvia sobre ele passaram a ser, invariavelmente, sobre aventuras temerárias, pois, ao que parecia, Henry tornara-se um malandro, nada mais. Um gastador, um perdido, como diziam as senhoras mais recatadas da sociedade.

Polly sentia o peito apertar-se quando ouvia tais histórias, pois sabia que, no fundo, não esquecera Henry. E então, no Verão anterior, os seus sentimentos foram violentamente sacudidos outra vez...

Lorde Henry esteve em Suffolk, enquanto Polly estava em Dillingham com a sua mãe e irmãos e isso fez com que fosse inevitável encontrarem-se. Tentaram evitar-se o mais possível e, sempre que isso acontecia, a situação tornava-se estranha devido ao que ficara do passado...

Polly, surpresa e atónita, percebeu que a sua paixão juvenil se transformara em algo mais forte. Percebeu que Lorde Henry tinha, inconscientemente, influenciado todas as suas recusas de casamento nos últimos cinco anos e que, já que não podia casar-se com ele agora, não se casaria com mais ninguém.

Tal impressão deixou-a ainda mais ciente da presença dele, fazendo-a detestar-se por não saber ser fria e casual como ele era. Existia uma grande barreira entre ambos que tornava impossível até mesmo o menor sinal de educação e bons modos, tão necessário à vida em sociedade.

Quando Henry disse, naquela fatídica noite, que nunca se aproximaria de Polly novamente, parecia estar a dizer a mais absoluta verdade. Podiam, até, ser forçados a trocar palavras educadas diante dos outros, mas nada mais. Henry conseguia sempre afastar-se. E tinha, ainda, a reputação que carregava agora: de ser um sedutor irresistível. Mesmo que aquilo que se dizia a seu respeito fosse exagerado, Henry já não era a companhia mais apropriada para qualquer rapariga. E agora, havia um motivo ainda mais forte e inesperado para que Polly desistisse de qualquer esperança em relação a ele...

O som de vozes que vinham da porta principal desviou-a dos seus pensamentos. Olhou para ver a sua cunhada, Lucille, a entrar em casa depois de se despedir de um casal.

– Lucille, que bom que voltou! – apressou-se a cumprimentá-la, fingindo um sorriso. Mas sabia que a sua cunhada era muito perspicaz e acrescentou logo, para desfazer qualquer impressão que ela pudesse ter: – Quem são aquelas pessoas? Pareceram-me um tanto excêntricas...

Lucille riu.

– A mulher, a senhora Golightly, amiga da menina Hannah More, falava do seu trabalho junto à Sociedade Auxiliadora. Trabalharam pelos pobres, deve saber. E o cavalheiro é um poeta, o senhor Cleymore, que parece ser muito famoso, embora eu não conheça o seu trabalho. São pessoas originais, mas não muito na moda.

– E quem se importa com isso? – comentou Polly, sabendo do desinteresse de Lucille por artificialidades. Ela gostava das pessoas pelo que eram, defendia causas porque acreditava nelas, e sabia enfrentar qualquer um que discordasse das suas ideias. Polly admirava-a por isso.

Lucille ficara ainda mais segura de si depois do seu casamento com Nicholas. E era respeitada na sociedade, apesar da sua posição quase sempre directa e dura em relação aos assuntos da moda. O seu único problema, ao que parecia, era a sua irmã gémea que, frequentemente, procurava estar na sua sombra e que acabava por criar problemas.

Polly agarrou no braço da cunhada e levou-a consigo para a sala de leitura, longe dos olhos de Sir Orbison e da sua mãe. Os intensos olhos azuis de Lucille continuavam a observá-la, como se pudessem perceber além do que viam...

– Quer tomar chá comigo? – sugeriu Polly, a sorrir levemente.

– É claro – e, vendo o mordomo, Lucille pediu-lhe, sem parar de andar: – Medlyn, chá para duas na sala de leitura, sim? – E, ao voltar-se novamente para Polly, indagou: – O que é que aconteceu? Ah, já sei! John Bellars propôs-lhe casamento e recusou! E a sua mãe e Sir Orbison devem estar furiosos por causa disso!

– É, de facto. Sir Orbison não gostou. Mas... como sabe que John estava a ponto de me pedir em casamento?

– Apenas imaginei. Assim como imaginei que não aceitaria. Mas devo confessar que cheguei a acreditar que fosse aceitar Julian Morrish.

Polly suspirou.

– Cheguei a pensar fazê-lo – analisou, relutante. – Ainda mais porque gosto de Julian. E, se quisesse um casamento baseado em respeito mútuo e bem-querer, teria servido. Mas, não pude porque...

– Porque ainda está apaixonada por Henry Marchnight – completou Lucille, sagaz, ao acomodar-se numa das poltronas da sala de leitura.

Polly invejava a maneira casual com que a outra conseguia mencionar Henry. E colocou-se na defensiva.

– Não é que eu esteja, propriamente, apaixonada...

Nesse momento, Medlyn apareceu trazendo a bandeja com o chá. Lucille serviu uma chávena e entregou-a à cunhada, depois colocou uma chávena para si.

– Polly, não tente enganar-me – disse. – Acredito que, a princípio, tenha sentido apenas uma atracção muito forte por ele, mas acabou por perceber que os seus sentimentos se tornaram mais profundos, não foi?

– Acho que ainda se lembra do que lhe contei em Dillingham, no Outono passado... E eu estava com pena de mim mesma! E o seu casamento fez-me sentir assim, sabe? Porque me arrependi da oportunidade que desperdicei, há muito tempo.

Lucille tomou um gole do seu chá, observou Polly em silêncio e, depois, comentou:

– Temo pela sua felicidade, Polly. Todos os cavalheiros que tem rejeitado são gentis e não se sentem nada felizes quando os rejeita, sabe? A sua reputação de orgulhosa está a crescer. E o que fará se não conseguir casar?

Polly encolheu os ombros.

– Talvez me dedique aos estudos ou a trabalhos humanitários... E, no futuro, poderei ser acompanhante de jovens que queiram aprimorar os seus conhecimentos enquanto aguardam o seu momento de desposarem alguém...

Lucille meneou a cabeça, diante daquelas palavras.

– Acha que... há alguma possibilidade de você e Lorde Henry conseguirem entender-se? – perguntou, cuidadosa. – Ele disse-me que ainda a estima muito...

Polly negou enfaticamente com a cabeça e acrescentou:

– Não, de forma alguma! Tenho a certeza de que ele me despreza por eu ter recusado fugir na sua companhia há cinco anos. Deve considerar-me uma tola – Polly não conseguiu conter mais as lágrimas. Como podia contar à sua cunhada que uma das razões para Henry não se interessar mais por ela era, exactamente, o que ele sentia por Lucille?! Perguntava a si mesma como a cunhada podia ser tão para inocente não ter percebido...

Polly tinha a certeza de que o interesse era apenas da parte dele e que tinha bases profundamente emocionais, não físicas, mas como Lucille não notou que Henry procurava estar sempre na sua companhia, à procura do seu olhar, a valorizar as suas opiniões? Até mesmo Nick comentou que Henry se tornara, de facto, um sedutor, seguindo a sua esposa por toda a parte...

– Vai associar-se à Sociedade Auxiliadora? – indagou Polly, tentando, desesperadamente, mudar de assunto.

– Talvez não. Nicholas sugeriu que viajássemos e, já que ainda estou à espera de minha viagem de núpcias, acho que vou encorajá-lo. Mas... – ela voltava ao assunto anterior com a obstinação pela qual era bem conhecida: –... Estávamos a falar de si. Já que o que houve entre vocês ficou enterrado no passado, porque é que tentam esconder-se um do outro sempre que estão na mesma sala? Sabe, isso deixa tudo mais difícil para o resto das pessoas presentes. Nicholas chegou a dizer que estava a ponto de iniciar uma conversa de negócios com Lorde Henry, outro dia, mas não o fez com receio de que aparecesse de repente e a atmosfera ficasse insustentável. Porque é que não conversa de uma vez por todas com ele e coloca um ponto final nesta história?

Polly encarou-a, incrédula.

– Falar com ele? – repetiu. – Não, eu não poderia...

Lucille ergueu as sobrancelhas. Não acreditava que a sua cunhada pudesse ser tão tola.

– Polly, não estou a sugerir que fale com ele sobre o que aconteceu entre vocês – esclareceu. – Mas sobre coisas normais, triviais, para que o clima fica leve entre os dois. São adultos e não podem continuar a agir assim. Deve dizer-lhe que quer esquecer o que houve entre os dois para que possam agir de maneira natural, sem ressentimentos, sem receios. Talvez, até, possam vir a ser amigos!

Polly suspirou. Como podia aproximar-se de Henry e falar-lhe sobre um assunto tão particular? Não ficaria bem para uma rapariga da sociedade como ela. Normalmente, desentendimentos como o que houvera entre ambos deviam ser ignorados. Lucille, que fora professora primária antes de se casar com Nicholas, tinha uma visão mais mundana das coisas, mas Polly sabia que não podia ser tão simples como a sua cunhada sugeria.

– Bem, tem a amizade dele – sugeriu Polly, sem querer demonstrar a inveja que sentia. – Duvido que eu conseguisse a familiaridade que tem com Henry.

– Bem, mas eu sou casada.

Polly riu e Lucille interrompeu-se, encarando-a, sem entender.

– O que eu disse que foi tão engraçado? – quis saber.

– Mulheres casadas são, exactamente, o tipo preferido de Lorde Henry – observou Polly, com certa amargura.

Por instantes, Lucille pareceu confusa. Depois, percebendo onde a insinuação queria chegar, rebateu:

– Ah, mas não é o que está a pensar! Não, Polly. O que há entre mim e Lorde Henry é uma estima verdadeira e sem maiores intenções.

Polly assentiu, mas não estava convencida. Lucille amava Nicholas e seria, talvez, a última a perceber as intenções de Henry, avaliava. Sabia muito bem da paixão entre o seu irmão e Lucille e, se, algum dia, um homem olhasse para ela com o mesmo calor com que Nick observava a esposa, com certeza, desmaiaria de paixão. Mas, talvez Lucille apenas tivesse sorte. Talvez ela, Polly, não tivesse, já que fora criada numa casa onde as aparências eram sempre importantes e onde os sentimentos tinham de ficar trancados dentro do peito o tempo todo. Nicholas conseguira encontrar alguém que provocava os seus sentimentos, que o fazia expô-los sem pudor... Mas ela, Polly, não...

E não tinha que continuar a pensar no que aconteceu no passado. Talvez Lucille tivesse razão e, quando a oportunidade certa chegasse, conseguisse achar as palavras correctas e dizer a Henry que tudo não passou de uma ilusão de juventude, que podiam esquecer o que acontecera e ter, pelo menos, um comportamento socialmente aceitável...

– Vou tentar falar com Lorde Henry, quando for possível – prometeu. – Entendo o que disse. Mas é que... é difícil para mim...

– Vai ser um alívio, vai ver – observou Lucille, tornando a beber o seu chá. – Para todos. E depois poderei deixar de me preocupar consigo e voltar a minha atenção para Peter e Hetty. Sabe, eles preocupam-me.

– Não deve ter sido fácil para Hetty quando a saúde da senhora Markham piorou e eles tiveram de adiar o casamento – comentou Polly, com sinceridade. – Mas... por que razão isso a deixa preocupada?

Lucille meneou a cabeça.

– Não sei... Hetty é muito jovem e acredito que se tenha sentido nas nuvens quando recebeu a atenção de tantos rapazes este ano... Mas achei que ela voltaria a ser como antes, mais recatada, quando voltasse para o interior. No entanto, hoje mesmo recebi uma carta sua na qual me fala de Lorde Grantley. Diz que ele está em Essex e que está a cortejá-la! Quanto ao seu irmão, Polly, ao invés de ficar junto da noiva, insiste em permanecer em Londres e ontem, no baile em casa de Lady Coombes, estava a namoriscar abertamente com Maria Leverstoke!

– Estranho... Imaginei que ela fosse objecto das atenções de Lorde Henry...

– Talvez até seja, mas pareceu-me bastante feliz com as atenções do seu irmão, ontem à noite! Diga, vai à recepção de Lady Phillips hoje?

– Sim, vou.

– Pois então observe com atenção e depois diga-me o que achou.