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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Sherryl Woods

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

O dilema, n.º 63 - Maio 2014

Título original: The Calamity Janes

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2004

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Internacional e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5190-0

Editor responsable: Luis Pugni

 

Conversión ebook: MT Color & Diseño

Índice

 

Portadilla

Créditos

Índice

Prólogo

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Treze

Catorze

Quinze

Dezasseis

Dezassete

Dezoito

Epílogo

Um

Volta

Prólogo

 

A única luz que havia na cozinha provinha do interior do frigorífico. Emma estava de pé, descalça, e usava ainda o fato e as simples jóias de ouro que colocara para ir ao tribunal, umas horas antes. Comia um iogurte de morango.

– Bem-vindos à minha vida deslumbrante! – sussurrou, enquanto comia uma colher de iogurte sem sequer o saborear.

Eram dez da noite e nessa manhã saíra da sua confortável casa, em Cherry Creek, às seis. Tinha conseguido comer uma torrada, enquanto saía pela porta, e um prato de atum com pão de centeio, no tribunal. Aquele iogurte era o seu jantar. Infelizmente, aquele era um dia normal para a sua dieta diária.

Já tinham decorrido algumas semanas desde a última vez que conseguira sentar-se à mesa com a sua filha de seis anos para desfrutarem de uma refeição a sério. Caitlyn estava tão acostumada a comer com a governanta que, quando falava com a mãe ao telefone durante o dia, quase nunca lhe perguntava se ia regressar a casa cedo. Em parte, Emma sentia-se aliviada por não ter de enfrentar a desilusão da menina, mas por outro lado, sentia uma mágoa profunda pelo pouco tempo que ela e a filha partilhavam, embora estivesse consciente de que o pior de tudo era saber que a menina parecia aceitar aquela carência com uma resignação surpreendente e assustadora.

Kit Rogers, o ex-marido de Emma, não fora tão compreensivo. Casaram-se quando Emma ainda frequentava a Faculdade de Direito. Em consequência de uma dessas inexplicáveis falhas dos métodos anticoncepcionais, engravidou antes de terminar o curso. Por alguma razão que desconhecia, Kit acreditou piamente que ela se converteria numa dona de casa tradicional, assim que o bebé nascesse. Profissionalmente, Kit era um homem bem sucedido e ganhava muito dinheiro, pelo que Emma não precisaria de trabalhar por questões económicas.

No entanto, Emma recusou-se. Não ia atirar pela janela o sucesso que conquistara e que lhe valera o título de uma das melhores advogadas do país. A sua determinação em preservar o seu bom-nome, trabalhando num dos melhores gabinetes de advocacia de Denver, deixou de ser uma contrariedade para se transformar no cavalo de batalha do seu casamento.

À medida que a sua posição no gabinete se ia solidificando, as discussões tornavam-se mais frequentes. Os esforços de Kit para sabotar a sua carreira intensificavam-se cada vez mais. Ao aperceber-se de que nada resultava, nem sequer a pior das traições, abandonou-a e ameaçou enfrentá-la em tribunal para conseguir a custódia de Caitlyn. O confronto nos tribunais, com os melhores gabinetes envolvidos numa batalha legal que os opunha, prometia saltar rapidamente para as primeiras páginas dos jornais. Emma começou a desfrutar do desafio.

Aquilo deveria ter-se convertido num sinal de alarme sobre o seu ritmo de vida e as suas prioridades, porém, não foi assim. Kit conheceu alguém quase imediatamente a seguir à separação, pelo que recuou nas suas ameaças. Emma ganhou o caso sem ter de recorrer ao tribunal e sem ter de mudar o seu estilo de vida. No final, pareceu-lhe uma vitória um tanto amarga. Actualmente, Kit via a filha menos ainda do que Emma, algo a que a menina parecia também resignada.

Enquanto atirava com fúria o recipiente vazio do iogurte para o lixo e fechava a porta do frigorífico com um pontapé, Emma chegou à conclusão de que, na verdade, Caitlyn se vira obrigada a aceitar demasiadas coisas. Tinha havido demasiados planos cancelados e inúmeras promessas quebradas.

Depois de acender a luz da cozinha, pegou no convite que chegara nesse mesmo dia, por correio. O instituto onde estudara, em Winding River, Wyoming, estava a preparar uma festa de antigos alunos. O colégio particular onde Caitlyn estudava já estaria de férias, nessa altura. Aquela seria a sua oportunidade de passar um pouco de tempo com a sua filha. Além disso, Caitlyn poderia ver os avós, os tios e os primos, familiares que, tal como o seu pai, pareciam não fazer parte da vida da menina. Caitlyn merecia aquela viagem. Ambas a mereciam. As visitas ao Wyoming tinham sido escassas, nos últimos tempos, devido ao sobrecarregado horário de trabalho de Emma. Há dois anos que não iam lá.

Pegou na sua agenda e consultou-a. Tinha reuniões de trabalho e julgamentos marcados todos os dias. Pegou numa caneta e desenhou um círculo à volta da semana em que teria lugar a reunião no instituto. No dia seguinte, iria pedir à sua secretária que desmarcasse tudo o que tinha agendado, de quarta-feira a domingo, dessa semana. Apesar das festas do Quatro de Julho serem praticamente a seguir, não poderia tirar umas férias tão grandes. Bem, cinco dias era melhor do que nada e muito mais do que o tempo livre que tivera, ultimamente.

Cinco dias afastada do trabalho, de Denver... Parecia um sonho. O melhor de tudo era a possibilidade de ver as suas adoradas amigas, as indomáveis fundadoras do Clube da Amizade, que poderiam fazê-la rir e que lhe recordariam quem fora antes do trabalho se ter transformado numa obsessão. Ia fazer-lhe bem dar uma certa perspectiva à sua vida, um certo equilíbrio. Se havia pessoas que poderiam ajudá-la a consegui-lo, essas pessoas eram Lauren, Karen, Cassie e Gina.

Era irónico que cinco mulheres tão diferentes pudessem ter tanto em comum. A Lauren convertera-se numa estrela Hollywood; a Karen numa rancheira; a Cassie estava a passar pelas dificuldades inerentes a qualquer mãe solteira e a Gina tornara-se uma importante chefe de cozinha com o seu próprio restaurante, em Nova Iorque. Apesar de tudo, partilhavam uma vivência, uma amizade que superara os maus tempos e as ausências. A última vez que estiveram juntas foi na graduação de Emma, na Faculdade de Direito.

Desde então, mantiveram-se em contacto por telefone, mensagens de correio electrónico e postais de boas festas pelo Natal.

No entanto, ainda que o contacto tivesse sido sempre esporádico, nunca tinham perdido o vínculo que existia entre elas. Aquelas mulheres eram as suas melhores amigas e, embora às vezes tivesse desleixado a sua amizade, valorizava bastante a relação que tinha com elas. Lauren, que se divorciara duas vezes, ouvira atentamente Emma em inúmeras conversas telefónicas, durante o seu processo de divórcio. Cassie dera-lhe todo o seu apoio, quando Emma se desmoronara por não dispor de tempo suficiente para se dedicar à filha. Karen, que era muito feliz no seu casamento, fora um verdadeiro pilar para ela e dera-lhe preciosos conselhos sempre que Emma necessitara. Desde o divórcio, Gina enviara-lhe caixas com comida feita por ela mesma, que tinham alegrado mãe e filha.

Sentia uma vontade tão grande de as ver que não se importava com o volume de trabalho que estivesse à sua espera, na segunda-feira de manhã, assim que regressasse de Winding River. Pela primeira vez, o trabalho não tinha a menor importância e podia esperar. Afinal, ela não era insubstituível e tinha mais dinheiro do que tempo para o gastar. Facturar menos horas de trabalho não ia arruinar a sua trajectória profissional. Quem é que iria adivinhar o tempo que poderia passar até voltar a surgir uma outra oportunidade como aquela? A perspectiva de ver as suas amigas era boa demais para a deixar escapar. O medo que habitualmente sentia por ter de ouvir as lamúrias da sua mãe, porque não comia o suficiente, fê-la sorrir pela primeira vez em muito tempo. Saber que o seu pai lhe recordaria o quanto era maravilhosa, bonita e digna de ser amada, iria fazer-lhe muito bem, já que sentia necessidade de ouvir aquelas palavras desde o dia em que se divorciara. Ainda que a separação tivesse sido o melhor, ainda que o seu marido se tivesse comportado como um canalha, aquele divórcio fora uma facada na auto-estima de Emma. Ela não estava preparada para fracassar, em nada, em absolutamente nada.

Estava tão encantada com a decisão que tinha tomado que mal conseguia esperar pelo momento de contar a novidade a Caitlyn. Podia imaginar o sorriso de alegria da filha. Infelizmente, também era capaz de imaginar as dúvidas que surgiriam no rosto da menina, que certamente não iria saber se deveria acreditar que a viagem realmente se fosse realizar.

– Não te desiludirei, filha – jurou a si mesma, enquanto apagava a luz e se dirigia para o escritório que tinha em casa, onde costumava trabalhar durante mais uma hora antes de ir para a cama. – Desta vez, não.

Aquela viagem pressupunha uns dias de convívio e de diversão com a sua família e as suas amigas. Nada ia mudar os seus planos. Absolutamente nada.

 

Um

 

Ford Hamilton olhava para o monitor do computador, no qual preparava a edição semanal do Winding River News. Havia um espaço em branco onde ia colocar o artigo principal. Como era a primeira edição que elaborava desde que adquirira o jornal, queria uma notícia que atraísse a atenção de todos, algo que fizesse com que os habitantes da vila se sentassem e lessem com interesse.

– Bem, chefe, quer que vá entrevistar as pessoas que estão a organizar a reunião de antigos alunos para saber quem vem e o que vai acontecer? – perguntou-lhe Teddy Taylor.

Teddy tinha dezoito anos e ambicionava ser um bom fotógrafo. Ia estagiar com Ford, durante aquele Verão, e o seu grande objectivo era conseguir que uma das suas fotografias fosse publicada na primeira página. Num jornal com um orçamento tão limitado que obrigava Ford a fazer um pouco de tudo, a ajuda de um estudante estagiário era muito bem-vinda.

Ford suspirou. Uma reunião de antigos alunos não era o tipo de notícia que ele idealizara para a primeira página. Estava acostumado às duras notícias das grandes cidades, onde os artigos que competiam pela primeira página tinham a ver com política, corrupção e outros delitos semelhantes. Em Winding River, não havia muito disso. Era uma tranquila vila do Wyoming na qual poucas coisas aconteciam. Aliás, escolhera aquele lugar exactamente por essa razão. Estava cansado de perseguir gente sem escrúpulos, já para não mencionar as contínuas discussões com os editores sobre como devia aparecer uma história no papel. Se assumisse a direcção do negócio, talvez conseguisse preparar um jornal que interessasse à comunidade.

Contudo, as mesmas coisas que o tinham atraído para aquele lugar, a paz e a tranquilidade, estavam a sabotar os seus planos de causar uma boa impressão com a sua primeira edição. Finalmente, compreendia o que significava ter falta de notícias e o que lhe dava a sensação de ser uma semana sem notícias poderia converter-se num ano.

No entanto, isso não queria dizer que tivesse de encher a primeira página do jornal com algo como uma reunião de antigos alunos, ainda que não tivesse grandes alternativas. Na semana anterior à reunião, faria uma lista dos eventos que tinham preparado e, quando chegasse o momento, enviaria um fotógrafo. Um destacável nas páginas centrais seria mais do que suficiente.

Isso significava que continuava com um espaço em branco para a edição daquela semana. Não esperava que ocorresse um acidente ou um roubo de gado, antes de ter de fechar a edição. Depois de ter passado vinte minutos a analisar as possibilidades, Ford teve de se resignar. Aquela maldita reunião era o que tinha de mais emocionante. Talvez encontrasse algo que desse importância a uma notícia tão sem graça.

– Teddy, porque é que não vais entrevistar o chefe da polícia? – sugeriu. – Pergunta-lhe como será o dispositivo de segurança que tenciona preparar, sobretudo porque ouvi dizer que uma actriz vai estar na vila, nesse fim-de-semana. Quero saber se vai pedir reforços, no caso de surgirem problemas para controlar as massas.

– Controlar as massas? – inquiriu Teddy, boquiaberto. – Aqui, em Winding River?

– Lauren Winters ficou bastante famosa desde que ganhou um Oscar, esta Primavera – explicou Ford. – Se se espalhar o rumor de que ela vai estar aqui, todos os jornais do mundo vão enviar fotógrafos. E já agora, procura saber se os quartos do hotel estão todos reservados. Os paparazzi ficam sempre nervosos, quando não conseguem estar perto da notícia. Se não houver nada disponível, são bem capazes de dormir nos seus carros, diante da casa dela ou de onde quer que se hospede. Pergunta ao Ryan se está preparado para isso.

– Estás a falar a sério? Vais deixar-me entrevistar o chefe da polícia?

Ford conteve um sorriso ao ver a vontade de trabalhar que o jovem demonstrava, especialmente quando o chefe de polícia era seu tio. Havia grandes possibilidades de que Ryan Taylor ditasse a história tal e qual como queria que aparecesse no jornal. Numa situação normal, Ford não teria deixado aquela entrevista nas mãos de um jornalista com tão pouca experiência, mas Teddy tinha de começar por algum lado e aquela história era tão boa como outra qualquer.

– Força. Tens duas horas para falar com ele. Escreve o artigo e dá-mo. Quero que esta edição saia a tempo. O antigo dono era muito desleixado com a data de saída do jornal. Eu não vou ser assim.

– Entendido – disse Teddy. Então, desatou a correr com o gravador na mão.

Ford voltou a suspirar. Teria sido ele alguma vez tão jovem? Teria tido, em alguma ocasião, tanta energia? Não é que se considerasse velho com apenas trinta e dois anos, porém, pressentia que, passado um mês, estava a adaptar-se muito rapidamente ao lento ritmo de vida de Winding River. Já não se levantava ao amanhecer nem trabalhava doze horas por dia. E demorava mais tempo do que o necessário, no restaurante da Stella, para conversar com os habitantes da vila.

No início, recebeu com entusiasmo a oportunidade de trocar por aquilo o ritmo acelerado de vida primeiro de Atlanta e, mais tarde, de Chicago. Viver a vida com mais calma fora uma das razões por que procurara um jornal que estivesse à venda num lugar tranquilo, antes que a constante correria lhe provocasse um ataque cardíaco. Além disso, planeava casar e ter dois filhos. Queria ter algo mais do que uma profissão. Queria viver, desfrutar da vida.

Nos dois últimos anos, utilizara as suas férias para procurar uma pequena comunidade que estivesse em expansão e que tivesse um jornal que interessasse aos seus habitantes, no qual os seus editoriais e os seus artigos pudessem ter um impacto positivo na vida daquelas pessoas. Sentira-se atraído pelo Wyoming pela beleza da paisagem e pelas mudanças que estava a sofrer, depois de ter sido descoberta pelos famosos. A zona ia sofrer um forte desenvolvimento, o que prometia mudanças para o meio-ambiente e para o seu modo de vida.

Tudo o que sempre desejara tornara-se realidade ao visitar Winding River. Assim, depois de conversar com o antigo dono do jornal, selaram o acordo com um aperto de mão, durante o Inverno. Uns meses mais tarde, Ford estava prestes a publicar a primeira edição do seu próprio jornal, apesar dos limitados recursos que tinha ao seu dispor.

Conhecia suficientemente bem as pequenas cidades para saber que tinha de avançar com cautela. As primeiras mudanças eram sempre vistas com uma certa desconfiança. Ironicamente, esse fora o motivo pelo qual Ford abandonara a sua cidade natal, na Geórgia, e se mudara para Atlanta, depois de concluir os estudos. Apercebera-se do quanto era difícil as pessoas mudarem, num lugar tão pequeno.

No final, acabara por dar-se conta de que as coisas eram muito diferentes na grande cidade, sobretudo quando tinha de enfrentar a burocracia do jornal para o qual trabalhava, antes de conseguir que lhe publicassem alguns dos seus artigos mais críticos. Em Chicago, sucedera-lhe o mesmo. Sofrera uma batalha constante entre as pressões do departamento de publicidade e a independência editorial.

Ainda estava a encontrar o seu sítio em Winding River. Estava a tentar conhecer os pesos específicos da comunidade. Ouvia toda a gente que tinha algo a dizer sobre como se dirigia a cidade ou como acreditavam que devia ser dirigida.

Num futuro próximo, avistavam-se mudanças. O centro da vila era uma prova palpável disso. Tinha aberto uma nova e elegante loja de roupa ao lado do antigo armazém de roupa tipicamente vaqueira. Havia imponentes jipes estacionados ao lado das tradicionais furgonetas. Vendiam-se presentes muito caros ao lado da loja de fardos de palha e havia avionetas modernas estacionadas junto às que se utilizavam para curar as colheitas.

O anterior dono do jornal, Ronald Haggerty, vivera na vila tempo suficiente para apresentar Ford a toda a gente e bajulá-lo diante das autoridades cívicas. Entretanto, tinha-se reformado e mudado para o Arizona. Desde então, Ford estava sozinho.

Já começava a formular determinadas opiniões, que estava ansioso por imprimir, mas era demasiado cedo. Tinha de esperar até ter o artigo certo, a história certa que demonstrasse a todo o mundo que o Winding River News e o seu novo dono tinham a intenção de participar em todos os aspectos da vida da vila. Precisava de uma notícia bombástica para encher a primeira página.

Até àquele dia, Ford Hamilton sempre se considerara um homem de sorte. Se continuasse assim, não duvidava de que teria a história que procurava, muito em breve.

 

 

– É verdade que vou aprender a montar a cavalo? – perguntou-lhe Caitlyn pela décima vez, enquanto mãe e filha saíam de Denver, na quarta-feira.

– O avô prometeu que te ensinaria, não foi?

– Estou tão emocionada! – exclamou a menina, saltando de alegria. – Nunca montei a cavalo!

– Já me disseste isso – replicou Emma num tom seco.

– E quantos primos disseste que tenho?

– Cinco. Conheceste alguns, na última vez que fomos lá.

– Nessa altura, eu era um bebé. Tinha quatro anos. Esqueci-me.

– Bem, temos a Jessie...

– Quantos anos tem a Jessie?

– Seis, como tu.

– Achas que já sabe montar a cavalo? – indagou Caitlyn, muito preocupada. – Vai rir-se de mim?

– Não sei se já sabe montar, mas o avô não permitirá que se ria de ti.

– E quem mais? – quis saber a menina, mais satisfeita.

– O Davey, o Rob, o Jeb e o Pete.

– São todos rapazes – disse Caitlyn, muito desiludida. – E são todos mais novos do que eu, não são?

– Sim.

– No entanto, a Jessie e eu seremos amigas, não é?

– Estou certa disso. Divertiram-se bastante, na última vez que estiveram juntas, há dois anos atrás. Fizeram comida para as vossas bonecas, brincaram juntas e fizeram biscoitos com a avó.

– Ainda falta muito para chegarmos? – perguntou Caitlyn, cada vez mais excitada.

– Meia hora. Talvez menos.

– E que horas serão, nessa altura?

– Meio-dia e meia hora.

– Quando o ponteiro grande estiver aqui e o mais pequeno aqui em baixo, não é? – observou a menina, apontando para o relógio que havia no tablier do carro.

– Exactamente.

– Julguei que a avó tivesse dito que comíamos ao meio-dia – comentou, muito preocupada. – Vão começar a comer sem nós?

– Não, carinho. Não acredito que comam sem nós. Telefonei à avó a avisá-la de que sairíamos um pouco mais tarde, lembras-te?

– Porque tiveste de ir ao teu escritório, apesar de estarmos de férias – declarou Caitlyn com alguma tristeza.

– Até segunda-feira – prometeu Emma.

– Então, porque é que o teu telemóvel não pára de tocar?

Emma respirou fundo. Não parava de tocar, porque não o tinha desligado. Sair do escritório era uma coisa, mas desligar o telemóvel era outra muito diferente. Poderia surgir uma emergência, perguntas dos colegas, uma crise que não podia esperar...

– Não te preocupes – disse à filha. – Não irá tocar muitas vezes. Não permitirei que interfira nos nossos planos.

Como para demonstrar que estava enganada, o telemóvel começou a tocar naquele preciso instante. Depois de se desculpar com o olhar perante a filha, Emma atendeu.

– Rogers.

– É a senhora a advogada mais famosa de Denver, a que só aceita os casos mais difíceis do Universo?

Emma sorriu.

– Olá, Lauren! Onde é que estás?

– Estou sentada à mesa com a tua família, à espera que chegues. Estamos a ficar um tanto impacientes. Eu estou morta de fome e não me deixam comer nada, enquanto vocês não entrarem nesta casa. Onde é que estão?

– Nos arredores da povoação, a cerca de um quilómetro do rancho. Diz à minha mãe que ponha a comida na mesa e que sirva uma bebida.

– Já o fez. Eu ajudei-a.

– A minha família ficou impressionada com o facto de uma actriz tão famosa os ter ajudado a pôr a mesa?

– Creio que não – respondeu Lauren, entre gargalhadas. – O Rob manchou-me a minha blusa de um conceituado costureiro, quando estava a escorrer as ervilhas. Como é apenas um bebé, perdoei-lhe.

– Ainda bem. Não acredito que o pai do Rob possa dar-se ao luxo de te comprar outra blusa igual. Certamente custa mais do que ele ganha num mês.

– Mais ou menos – afirmou Lauren. – Foi por isso que lhe disse que ma comprarias tu, caso tenhas possibilidades de o fazer.

– Presumo que seja uma sorte que esteja quase a estacionar diante da casa, para que possa proteger os meus interesses, pessoalmente – brincou Emma.

Assim que deu a volta que a colocou diante da porta principal, começou a ouvir os gritos de alegria que anunciavam que as crianças tinham visto o carro.

Enquanto estacionava, olhou para Caitlyn e viu que a menina contemplava, espantada, como todos os seus primos, à excepção do mais pequeno, saíam a correr de casa, seguidos dos irmãos mais novos de Emma e das esposas, de Lauren, que continuava com o telefone na mão, e dos seus pais.

De repente, a menina mostrou-se muito tímida e, quando a sua avó abriu a porta do carro, agarrou-se à mãe. Negando-se a deixar-se levar pelo desânimo, a mãe de Emma tocou-lhe suavemente no rosto.

– Estou tão contente por teres vindo visitar-nos – disse. – O teu avô e eu sentimos muitas, muitas saudades de ti.

– A sério? – perguntou Caitlyn, muito surpreendida.

– Claro que sim. Queres vir comigo ver a surpresa que o avô te preparou? Está no estábulo.

– Posso ir, mamã? – indagou a pequena, virando-se para Emma.

– Pensei que toda a gente estivesse ansiosa por comer – comentou Emma, olhando para Lauren.

– Não importa. Tenho a certeza de que sou capaz de resistir à tentação – replicou esta com uma exagerada expressão teatral que provocou um sorriso em Emma.

– És uma excelente actriz, amiga! – exclamou ela. – Claro que podes ir, Caitlyn – acrescentou, soltando a filha. – Que surpresa tão grande é essa, mamã?

– Já vais ver. Não tenciono dizer nada.

Enquanto as duas se afastavam de mão dada, seguidas muito de perto pelos primos, Emma aproximou-se dos seus irmãos e abraçou-os. Estes recriminaram-na por ter estado afastada de Winding River durante tanto tempo.

– Deixem-na em paz – retorquiu a sua cunhada Martha. – Agora está aqui e é isso que importa. Vamos aproveitar cada minuto da tua estadia aqui, Emma.

– Podes estar certa disso – declarou Lauren, aproximando-se para abraçá-la. – Pareces cansada.

– Foram muitas horas a conduzir.

– Não foram assim tantas – contrapôs Lauren, ao mesmo tempo que a acompanhava ao interior da casa. Na sala de jantar, a mesa estava posta para uma grande festa. – E tens olheiras que não surgem da noite para o dia. Sou perita nesse assunto. Sei perfeitamente o que a falta de sono pode fazer no rosto de uma pessoa. Felizmente para ti, também sou perita nos truques de maquilhagem que conseguem dissimulá-las. Quando formos ao baile organizado para sábado, vais estar estupenda. Os homens vão cair aos teus pés.

– Estou aqui para ver as minhas amigas, não para procurar um homem – recriminou-a Emma. – Além disso, contigo por perto, ninguém vai olhar para mim.

– Espera até que eu acabe de te arranjar – argumentou Lauren. – Nunca se sabe quando uma mulher vai encontrar o homem perfeito. Não podes correr o risco de o assustares.

– Não creio que tenhamos de nos preocupar com isso. Existem pouquíssimos homens perfeitos em Winding River – afirmou Emma, olhando para os irmãos. – Sem contar com os presentes, claro. Essa foi uma das razões pelas quais me fui embora, lembras-te?

– Eu sou optimista – declarou Lauren, alegremente. – Em dez anos, as coisas podem mudar muito. Por exemplo, o acne costuma desaparecer, não é verdade, Matt? – indagou, dando uma cotovelada a um dos irmãos de Emma.

Matt franziu o sobrolho e decidiu ignorar a pergunta.

– Sem dúvida – respondeu Martha, no lugar do seu marido. – E não foi só isso. Presentemente, pode beber-se um capuccino, na vila. Como era de prever, a maioria das pessoas continua a ir ao restaurante da Stella, como sempre. As coisas mais refinadas costumam ser para os turistas.

– Agora temos turistas? – inquiriu Emma, incrédula. – E o que é que vêm ver?

– O verdadeiro ambiente do Oeste – retorquiu o seu irmão Wayne, secamente. – Como é óbvio, vêm ver o genuíno Oeste. No entanto, são incapazes de prescindir do que tomam no Este, mas o que é que lhes vamos fazer? Estão a injectar muitos dólares na economia da vila.

– No final, vai acabar por nos destruir. Lembrem-se do que vos digo – replicou Matt com uma expressão sombria. – E aquele editor do jornal vai ser o responsável.

– O Ford Hamilton é um bom sujeito – afirmou Martha. – Dá-lhe uma oportunidade.

– Para quê? Para que estrague este lugar com as suas ideias modernas da grande cidade? – explodiu ele. – Garanto-vos que vai ser o primeiro a pedir que liberalizem a terra para que possam adquiri-la um montão de avarentos especuladores. Winding River acabará por se unir a Laramie, se não tivermos cuidado.

Nesse momento, a mãe de Emma entrou e dirigiram-se todos para a sala de jantar.

– Já chega, Matt. Deixa a tua irmã comer qualquer coisa, antes de lhe contares todos os maus agoiros que pairam sobre Winding River. Esse tipo de histórias é prejudicial à digestão.

Apesar de tudo, Emma teve de ouvir, durante o almoço, as mudanças que se tinham operado na vila nos últimos anos e que, segundo Matt, não tinham sido para melhor. Também lhe contaram muitas coisas sobre o tal Ford Hamilton e sobre as duas primeiras edições do jornal sob a sua direcção.

– Tirou as colunas loucas que o Ron escrevia há anos! – queixou-se Matt.

– Aqui, toda a gente sabe o que os outros fazem – argumentou Martha. – Não era necessário ler essas notícias no jornal. Além disso, é lindíssimo. Já estava na hora de alguém tão interessante e tão disponível vir viver para cá.

– E a ti que te importa isso? És casada comigo – protestou Matt.

– Isso não significa que esteja morta – replicou ela. – Até porque, um homem como Ford Hamilton, poderia facilmente convencer a Emma a vir viver para aqui de novo.

– Um momento! – exclamou ela. – Não entres por esse caminho. Nem ando à procura de um homem, nem tenciono voltar a viver aqui. Esquece essas loucuras, Martha... Tu e toda a gente.

– Bem, todos temos direito a sonhar – interveio a sua mãe. – Eu, por exemplo, creio que seria maravilhoso se, pelo menos, pensasses nisso.

– Não a pressiones – disse-lhe o marido. – Acaba de chegar.

– Espera aí! Tu tens tanta vontade de que regresse como eu – retorquiu a mãe. – Foi por essa razão que compraste o pónei.

– Que pónei? – perguntou Emma.

– A surpresa era essa – respondeu Caitlyn com um intenso brilho de felicidade no olhar. – O avô comprou-me um pónei.

– Era suposto isso ser um segredo até que o almoço terminasse, querida – comentou o pai de Emma com um sorriso.

– Ah, sim! Esqueci-me...

– Não importa, tesouro. Alguém tinha de mo dizer – declarou Emma, apesar do olhar de reprovação que dirigiu ao pai.

– Quando tinhas a idade dela, tinhas o teu próprio pónei – afirmou o homem, como se quisesse justificar-se.

– Mas eu vivia aqui – contrapôs Emma. Então, resolveu esquecer o assunto. Iria estragar o almoço, se começasse a discutir com o pai durante a refeição.

– Voltemos ao Ford Hamilton – sugeriu Martha, procurando acalmar os ânimos.

– Sim, é melhor – concordou Lauren. – Se a Emma não está interessada num editor lindíssimo, talvez eu esteja.

– Muito bem – interveio Wayne. – Como se tu algum dia viesses viver para cá.

– Nunca se sabe – retorquiu Lauren, num tom tão sério que todos a olharam fixamente.

– Lauren? – perguntou Emma, olhando-a com curiosidade. Aquela era a primeira vez que tinha a sensação de que a amiga estava desencantada com o seu estrondoso estilo de vida.

– Não liguem – declarou Lauren, levantando-se da mesa. – Bem, tenho de me apressar. Prometi à Karen que iria ao rancho dela, esta tarde, e que a ajudaria a tratar dos cavalos.

– Essa, sim, é uma fotografia que todos os jornais gostariam de publicar – brincou o pai de Emma. – Millie, onde é que está a minha máquina? Provavelmente, conseguiria dinheiro suficiente para comprar dois touros com apenas uma fotografia tua.

– Não acredito que o queiras fazer, papá – advertiu-o Emma. – Seria obrigada a aconselhar a Lauren a levantar-te um processo.

– Como se eu fosse processar alguém que é como um pai para mim – replicou a amiga, enquanto dava dois beijos no rosto do homem.

– Quem é que iria dizer que uma das amigas da Emma ia ser uma das beldades mais famosas do mundo inteiro? – comentou ele, corado com os beijos. – Ainda me lembro da época em que usavas tranças e brincavas com a terra, junto ao estábulo.

– Essa sim, é que é uma fotografia que todos os jornais adorariam ter – disse Wayne. – E acho que sei onde está.

– No álbum – afirmou Matt, sorrindo pela primeira vez desde que Emma chegou. – Queres que vá buscá-la? Poderíamos dividir o dinheiro.

– Se o fizeres, és um homem morto – avisou-o Emma. – Eu também estou nessa fotografia. Se a Lauren não te matar, mato-te eu – acrescentou. Nesse momento, apercebeu-se de que a mãe tinha os olhos cheios de lágrimas. – Mamã! O que é que tens?

– É que estou tão contente por vos ter de novo à volta desta mesa, a discutir como costumavam fazer nessa altura... E a ti também, Lauren. Não imaginam as saudades que sinto por não ter a minha família toda junta, debaixo do mesmo tecto.

– Prometo-te que virei mais vezes a casa, mamã – sussurrou Emma, sentindo-se culpada.

– Isso é o que dizes agora, mas quando regressares a Denver, mergulharás de novo no teu trabalho e, quando te aperceberes, já terão passado outros dois anos.

– Prometo-te que não será assim, mamã...

Contudo, sabia que a mãe tinha razão. Seria incapaz de evitar que isso acontecesse. A sua profissão falava sempre mais alto. Ser a melhor da turma levou-a a querer ser a melhor no seu local de trabalho. Queria ser a primeira advogada na qual as pessoas pensassem para a resolução dos casos mais importantes de Denver. Tinha fracassado no seu casamento. Estava a dar pouca atenção à filha e à sua mãe, porém, seria alguém na sua profissão. Os homens sacrificavam constantemente a vida familiar pelas suas carreiras e ninguém os condenava. Por que razão deveria ser diferente com uma mulher? Pelo menos, serviria de exemplo a Caitlyn para lhe demonstrar que uma mulher poderia conseguir o que quisesse num mundo desenhado para homens.

Qualquer pessoa lhe perguntaria a que custo. Inclusive, havia alturas em que ela própria se questionava sobre isso, na escuridão da noite. No entanto, ainda não tinha sido capaz de encontrar uma resposta satisfatória. Será que algum dia a encontraria?