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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2002 Liz Fielding. Todos os direitos reservados.

UM VIZINHO IRRESISTÍVEL, N.º 1342 Setembro 2012

Título original: City Girl in Training

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Este título foi publicado originalmente em portugués em 2003

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-0629-0

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

A sua casa está em chamas e só tem tempo para escolher uma peça de roupa. O que escolhe?

a) A explosiva minissaia violeta de couro que faz com que todos os homens virem a cabeça para olhar para si quando passa na rua.

b) O vestido preto caríssimo que fica bem em qualquer ocasião.

c) As calças desportivas velhíssimas que usava quando conheceu o homem da sua vida.

d) A saia de um conhecido estilista italiano que comprou nos saldos. Jamais voltará a ter semelhante oportunidade.

e) O casaco de lã que a sua avó tricotou para lhe oferecer no seu último aniversário.

 

– Tens a certeza que não queres levar este casaco, Philly? A tia Alice ficaria muito contente se o vestisses no dia de Natal.

A minha mãe levantou o olhar ao ver que eu não respondia e apanhou-me a folhear a revista feminina que me tinha comprado para que me entretivesse durante a viagem.

– Guarda a revista para o comboio, querida – disse-me, como se eu fosse uma menina de cinco anos, em vez de uma mulher de quase vinte e três – senão, depois, aborreces-te.

Resisti heroicamente à tentação de lhe dizer que, embora fosse a mais nova de cinco irmãos e a única que não pudesse dizer que tinha sobressaído pelo seu curso universitário fulgurante, me sentia perfeitamente capaz de comprar uma revista. Olhei para ela e dei-me conta de que a pergunta tinha sido meramente retórica, uma vez que ela já tinha adivinhado qual seria a minha resposta. Descartou o casaco imediatamente. Aquele casaco tinha-me perseguido como um fantasma desde que a minha tia-avó Alice o tinha tricotado. Era fofo como uma nuvem e azul-céu. Detestava-o. De facto, já tinha pensado em colocá-lo, juntamente com outras coisas, numa caixa para o esquecer na arrecadação, com a esperança de que uma sábia traça o escolhesse para depositar os seus ovos.

– Devias ter comprado uma mala nova – insistiu a minha mãe, pela milésima vez. – Parece-me que este fecho não é muito seguro.

– O fecho não tem nenhum problema – protestei. – Vou de comboio para Londres, não vou de avião para os antípodas, como vocês.

Os meus pais tinham decidido abandonar-me e deixar-me ao cuidado de desconhecidas, enquanto eles davam a volta ao Mundo para visitar os meus triunfantes irmãos, que estavam espalhados por vários países. O meu pai acabara de se reformar e a minha mãe decidira que tinha chegado a altura de se divertir um pouco e visitar os meus inteligentes e aventureiros irmãos, que estavam na Nova Zelândia, na Califórnia e na África do Sul, e a minha igualmente inteligente, bonita e aventureira irmã, casada e a viver na Austrália.

Tinham passado os últimos trinta e cinco anos da sua vida dedicados à vida familiar e, segundo eles, já estava na altura de se divertirem um pouco. Eu era o único impedimento. Com vinte e dois anos, ainda vivia em casa dos meus pais e namorava com o filho dos meus vizinhos, sem mostrar o mínimo indício de um futuro casamento. Só que isso não era o pior. Eu tinha pensado que eles partiriam contentes por me deixarem encarregue da casa. Além disso, estando sozinha em casa, poderia tentar avançar mais um pouco as coisas com Don, tirar-lhe a cabeça de debaixo do capô do velho Austin, que já estava a arranjar há anos, arrancá-lo das saias da mãe e injetar um pouco de vitalidade física à nossa relação.

No entanto, o tipo que tinha substituído o meu pai no trabalho desejava arrendar uma casa naquela zona, para ter tempo de analisar o mercado imobiliário antes de comprar uma vivenda para a sua família. O negócio fora fechado sem sequer me consultarem. Apelei à minha mãe, mas ela disse-me que aquele assunto não tinha nada a ver comigo.

Nessa altura, aconteceu uma daquelas casualidades da vida que nos fazem pensar no destino: o meu chefe do banco, que jogava golfe com o meu pai todos os domingos, propôs transferir-me para a sede de Londres em comissão de serviço, durante seis meses. Garantiu-me que era uma oportunidade de ouro para mostrar o meu valor e começar a subir na entidade bancária, algo que eu tinha estado a evitar durante os dois anos anteriores, uma vez que a promoção profissional significaria ter de abandonar Maybridge.

O meu pai não perdeu tempo e recorreu às suas antigas colegas da escola para me arranjar alojamento em Londres.

– A mudança de ares vai fazer-te bem – disse-me, quando ousei protestar. – Estás a definhar em Maybridge. Além disso, a tua carreira profissional está estagnada, já não podes chegar mais longe nesta sucursal. Já para não falar de Don, que te trata como se lhe pertencesses por direito. Estarem separados durante uma temporada vai fazer-vos muito bem. Poderão esclarecer as vossas ideias em relação ao futuro.

Eu tinha as minhas ideias muito claras em relação ao meu futuro, tinha-as tão claras como no dia em que fizera dez anos, mas a minha mãe lançou-me um olhar de advertência que me impediu de continuar a discutir. Um olhar que significava: «Eu sei muito bem o que te convém». Talvez pensasse que Don desse um passo em frente na nossa relação ao sentir a minha falta. Eu tinha quase vinte e três anos e ainda era virgem... Estava desesperada por conhecer os segredos do amor.

Ainda assim, custava-me ter de admitir que a minha mãe pudesse ter razão quanto ao facto de a minha vida rotineira parecer um pouco atrofiada, dado que ela tinha vivido quase quarenta anos com o mesmo homem, na mesma casa. Não era que a criticasse, muito pelo contrário, era isso mesmo que eu desejava fazer: passar toda a minha vida com um único homem e constituir família.

Don tinha a mesma ideia ou, pelo menos, era o que dizia.

O único problema era que ele não estava a fazer absolutamente nada para consolidar a nossa relação. Talvez fosse possível que a minha ida para Londres o fizesse pensar.

Fui ter com ele e encontrei-o na garagem da casa dele, como de costume, a limpar e a lavar peças de um velho Austin de mil novecentos e vinte e dois. Comuniquei-lhe a notícia e contive a respiração.

– Para Londres? – perguntou, com aquela expressão tão doce quanto inocente que era tão própria dele e que eu adorava. Era um homem muito bem-parecido: alto, musculoso e de cabelo loiro encaracolado. Nunca tivera de o desculpar por causa de nenhuma outra rapariga, pois ele só tinha olhos para mim desde a infância. – O que raios vais fazer para Londres?

«Oh, não!», pensei eu. Tinha pensado que Don largaria as ferramentas para me abraçar e proclamar ao mundo algo como: «Tu não vais a lado nenhum sem mim».

– Vou subir de escalão na sede de Londres – respondi eu, irritada. – Vou passear, mudar de ares, divertir-me um pouco – continuei, tentando provocá-lo.

Don franziu o sobrolho, não porque não lhe agradasse que eu pensasse em divertir-me, mas por algo mais grave.

– Vais para sempre?

Durante um instante, pensei que as coisas se esclareceriam finalmente entre nós. Pensei que ele acabara de se dar conta de que, se não fizesse algo de imediato, eu poderia desaparecer e nunca mais voltar. Sonhei que largava as ferramentas, me abraçava, etc.

– Sim – respondi, assumindo que, se quisesse ter uma boa carreira profissional, jamais poderia voltar a trabalhar numa sucursal tão pequena como a de Maybridge. Era algo que já podia ter decidido há anos, mas a rotina da minha vida tornara-se muito cómoda. Ao contrário dos meus irmãos, não tinha uma ponta de aventureira em mim. Só tinha andado de avião uma vez e deixara-me tão aterrorizada que ficara doente. Jamais repetiria semelhante experiência. Além disso, gostava de viver naquela casa. – Talvez esteja na altura de mudar de hábitos – disse, esperando que ele fizesse alguma coisa para me dissuadir. Um lamento de pesar poderia ser um bom começo para iniciarmos os nossos planos de uma viagem a Bali, durante a qual nos casaríamos numa praia ao luar.

Afastou uma madeixa de cabelo com as mãos cheias de óleo e com uma expressão adorável.

– Suponho que deva felicitar-te. Vou sentir a tua falta – eu sorri, antes de me dar conta do que estava a acontecer, – mas assim terei mais tempo para me dedicar ao carro.

O quê? Já passava todo o seu tempo livre debaixo do capô do carro!

– Obrigada – disse, cerrando os dentes.

– Então, vais para Londres – repetiu Don, como se se tratasse de uma distante e estranha cidade mitológica, em vez de uma metrópole cheia de atividade, situada a apenas uma hora de comboio de distância de Maybridge. – Tenho a certeza de que vais divertir-te muito.

«Mas eu não quero ir!», gritei em silêncio, para deixar o meu orgulho a salvo. Por que é que não se dava conta de que eu não tinha nenhuma vontade de me divertir em lado nenhum se não fosse com ele? Tudo o que eu queria era que tentasse convencer-me a não ir para Londres e me propusesse que fosse viver com ele e com a mãe viúva até que encontrássemos uma casa onde pudéssemos viver só os dois. Não me dei ao trabalho de fazer planos em voz alta... Já sabia qual era a resposta. A senhora Cooper, uma hipocondríaca que nunca conseguira recuperar da fuga do marido com a secretária, tratava-me amistosamente, mas eu tinha a suspeita de que por detrás daquela expressão doce se escondia um ódio profundo pela minha pessoa e, além disso, uma desaprovação total em relação ao meu relacionamento com Don.

Senti a tentação de me despir e de o seduzir ali mesmo, na garagem, mas o chão era de cimento, estava muito frio e as mãos do meu homem estavam cheias de óleo. Só uma idiota ou uma mulher desesperada se atreveriam a despir-se naquelas circunstâncias. Sim, eu estava desesperada, mas, apesar da minha inexperiência, imaginava que, roxa de frio e a tremer, não conseguiria acender-lhe a chama do desejo.

– Devo confessar-te que quase te invejo – disse Don. – Vais poder ver todos aqueles museus...

Museus? Era essa a ideia que tinha de divertimento? Tive vontade de o abraçar, mas a roupa dele estava asquerosa, embora o facto de estar a usar o casaco da tia Alice fizesse com que não me importasse assim tanto.

– Sabes, se fosses ao Museu da Ciência – continuou ele, – poderias...

Ao Museu da Ciência? Poderia apetecer-me ir ver as joias da Coroa, mas ir ao Museu da Ciência? Tinha perdido o fio à meada...

– Prometes-me? – perguntou ele.

Prometer? Prometer o quê? Meu Deus, devia tê-lo ouvido!

– Porque não vais passar um fim de semana comigo? – perguntei, aproveitando a oportunidade. – Poderíamos ir juntos ao Museu da Ciência.

Ele olhou à sua volta, incomodado.

– Não creio que pudesse deixar a minha mãe sozinha tanto tempo. Sabes que ela sofre dos nervos.

Era verdade, aquela mulher tinha conseguido estragar todos os planos que eu tinha feito com Don nos últimos quatro anos apelando às suas repentinas crises nervosas. Essa foi também a razão que fez com que, na sexta-feira, depois de os meus pais terem partido, eu tivesse de carregar sozinha a minha mala até à estação. Don tinha tirado a tarde para me acompanhar, mas a sua mãe sofrera um ataque dez minutos antes da hora marcada para sairmos. Eu estive prestes a fingir também um ataque de nervos, mas Don tinha uma expressão tão preocupada que o deixei ir para casa para receber o médico. Chamei um táxi e apanhei o comboio.

Enquanto Maybridge desaparecia sob uma cortina de chuva fina e gelada, própria dos fins de tarde de novembro, acomodei-me com uma sandes de queijo numa mão e a revista feminina na outra.

Descubra se é uma leoa ou uma gatinha era o título. Eu não precisava de responder ao questionário para saber a resposta. Tinha quase vinte e três anos, uma mãe que me tratava como se tivesse cinco e um namorado que não mostrava qualquer desejo por mim. Por isso, só podia ser uma gatinha, não era? Não. Depois de ter respondido a tantas perguntas, descobri que tinha sido demasiado otimista. Eu era uma ratinha e safava-me por pouco de ser uma ostra. Isso explicava porque ia para Londres quando o que desejava era ficar em Maybridge. Isso explicava porque o meu namorado me trocava sempre pela mãe. E também explicava porque ia passar o dia de Natal com a tia-avó Alice, em vez de desfrutar de uma tórrida noite de paixão com Don. Deixava-me convencer com facilidade. Era muito pouco exigente. As minhas expectativas de futuro estavam de rastos. Ia dar uma dentada na sandes de queijo quando me contive, aterrorizada: o queijo era o prato favorito dos ratos. Deveria ter escolhido uma de carne assada com muito picante. Mas, sendo uma ratinha, gostava de queijo. Deveria usar umas calças de ganga de marca e uns sapatos de salto alto, em vez de umas cómodas calças de algodão que já tinham pertencido aos meus irmãos e uns ténis comprados nos saldos. Ao fim e ao cabo, estava a juntar dinheiro para me casar, não era?

Talvez nunca chegasse a ser uma leoa, mas, pelo menos, podia aspirar a ser uma gatinha em vez de uma ratinha. Pensei que, talvez em Londres, onde ninguém me conhecia, pudesse começar a mudar. Tinha de enfrentar os factos. Comportar-me como uma ratinha não tinha servido para incitar Don a largar as saias da mãe e a pedir-me em casamento. Talvez a minha mãe tivesse razão. Era possível que um tempo de separação fizesse bem a ambos. Don teria seis meses para saber como era a vida sem mim, sem me ter a rondar por ali, a entregar-lhe as ferramentas de que ele precisava mesmo antes de as pedir.

Eu teria seis meses para mudar um pouco e tirar partido de algumas facetas escondidas do meu caráter, para que, quando voltasse para Maybridge, Don caísse aos meus pés antes que a sua mãe se desse conta.

Quando o comboio parou na estação de Paddington, guardei a revista na mala para acabar de a ler noutra ocasião e peguei na mala de viagem.

Estava à minha espera uma nova vida, com um novo trabalho e a roupa nova que ainda teria de comprar. Estava em Londres e pensava tirar o máximo partido daquela cidade grande.

Não cheguei a rugir quando me uni à multidão que se dirigia para o metro, mas na minha mente já estava a surgir a imagem de uma leoa.